São Paulo, segunda, 19 de outubro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Dois cenários

JOÃO SAYAD

A chuva diminuiu um pouco. O vento amainou, as ondas já são menores. O céu ainda está escuro e carregado de nuvens. Mas podemos pensar em alternativas.
A primeira alternativa é a do governo, que quer manter a mesma política.
Consegue um empréstimo internacional vultoso, que eleva as reservas para US$ 80 bilhões, mantém a desvalorização de 6% ou 7% ao ano, faz programa cruel de corte de gastos e aumento de impostos e tenta reduzir as taxas de juros muito vagarosamente.
Não corre nenhum risco de retorno da inflação. Tem a certeza de que produz uma recessão bastante forte e desemprego ainda maior.
Muitas empresas não conseguem pagar juros e quebram, criando problemas para o sistema financeiro.
Assistiremos aflitos à corrida entre dívida interna e superávit primário. Se o superávit primário ganhar dos juros, a estratégia dá certo. Se os juros ganharem do superávit primário, começamos a perder confiança na dívida interna.
A recessão pode transformar o déficit comercial em pequeno superávit.
Depois de algum tempo, os sobreviventes estarão vivendo em país sem nenhuma inflação (talvez uma persistente e forte deflação), muitos desempregados e violência nas ruas.
A taxa de câmbio terá se desvalorizado em 15% ou 21% após dois ou três anos.
O ministro da Produção, depois de muitos esforços para incentivar produção e as exportações, pede demissão e é substituído por outro que nunca despachará com o presidente. A posição se transformou em cargo para barganha política para permitir a aprovação de alguma reforma no Congresso.
Permanece o risco de desvalorização espontânea e descontrolada, particularmente se houver alguma crise em países emergentes. Nesse caso, o risco de retorno da inflação com desemprego é muito grande.
Na eleição de 2002, teremos muitos candidatos radicais e exóticos, líderes de audiência de programas de rádio ou televisão, líderes religiosos de religiões comerciais, policiais acusados de matança, curandeiros e profetas.
A campanha eleitoral pode ter batalhas de ruas, com grupos paramilitares ou da segurança dos candidatos atacando adversários.
O cenário alternativo é mais otimista.
O governo obtém grande empréstimo internacional.
O Banco Central, carregado de dólares, desvaloriza o câmbio de forma a que ninguém tenha dúvidas de que as exportações serão extremamente rentáveis e as importações muito caras.
Torna-se mais barato ir a parques temáticos nacionais do que à Disneylândia. Voltamos a consumir carvão nacional no churrasco de fim-de-semana.
A taxa de juros doméstica pode cair bastante ou mais rapidamente do que no caso anterior. Aumenta significativamente o endividamento das empresas brasileiras que têm dívidas em dólares. Mas as empresas conseguem pagar os juros.
A dívida interna cresce à mesma taxa do crescimento do produto. O déficit público deixa de ser assunto.
A desvalorização cambial equivale a corte bastante forte da demanda agregada e, portanto, gera recessão.
Mas será recessão diferenciada: diminui a demanda de produtos comerciáveis (soja, automóveis, microcomputadores) e em compensação aumenta a demanda por produtos não comerciáveis (habitação, saúde, educação, lazer).
Corremos o risco de passar por reflação, isto é, o fim da deflação, que ainda é conceito exótico para os brasileiros de hoje.
O desemprego será menor do que na alternativa anterior, a produção maior. O Plano Real estará salvo.
Esta é a alternativa que o Brasil sempre usou.
Não se trata de retorno aos anos de inflação do período 67- 94.
Trata-se de alternativa que o país adotava nos anos anteriores à crise de 30. Quando caía o preço do café, o governo desvalorizava o câmbio, mantinha a renda do setor cafeeiro e aumentava a demanda por produtos nacionais. É um retorno aos anos 20 e 30. A globalização financeira fez o mundo voltar atrás.
Neste cenário, nas vésperas da próxima eleição o país estará crescendo com base em exportações maiores e importações maiores e desemprego menor.
Os candidatos de 2002 estarão concentrados no centro do espectro político, discutindo a reforma política, educação e proteção ambiental. Talvez alguém venha com a história de reeleição. Nada é perfeito: é risco que temos que correr.
²


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net



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