São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Meia bisteca no lixo

BENJAMIN STEINBRUCH

No seu jeito objetivo e direto de dizer as coisas, durante a primeira reunião do pacto social, há quase duas semanas, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, comentou que no Brasil, muitas vezes, jogamos no lixo metade de uma bisteca, sem nenhum constrangimento.
A frase, dita para justificar a abundância de alimentos e para reforçar a idéia de que temos condição de saciar a fome de todos os brasileiros, não mereceu nenhum destaque na imprensa no dia seguinte, em muitos casos nem mesmo nenhum registro. Foi pena, porque Lula levantou ali um tema importante para um país em que, infelizmente, sobrevive a cultura do desperdício.
Muito já se falou e escreveu sobre o desperdício. Mas, no ano passado, com a crise de fornecimento de energia elétrica, foi possível comprovar na prática o tamanho desse problema. Diante da ameaça do racionamento e motivados por campanhas públicas, os brasileiros conseguiram reduzir em 16% o consumo de energia elétrica. Estima-se que cerca de 9% dessa redução tenha se dado de forma permanente. Ou seja, empresas e cidadãos descobriram uma maneira de produzir tanto quanto antes e de fazer as mesmas coisas que sempre fizeram gastando 9% a menos com energia.
O desperdício entre nós pode ser constatado em muitos setores. Lembro-me de ter lido há pouco tempo a notícia de que saem do Ceasa de Fortaleza cerca de dez toneladas de lixo orgânico por dia, com alimentos que se perdem antes mesmo de serem vendidos à população. Nas mãos do consumidor, o desperdício aumenta. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais calcula que o Brasil produza 43,8 milhões de toneladas de lixo por ano. Desse total, 26 milhões de toneladas são lixo orgânico, o que leva à conclusão de que o brasileiro joga fora metade do volume dos alimentos que compra.
A essas perdas na comercialização e no consumo devem-se somar ainda outras que ocorrem no próprio campo, onde, por exemplo, desaparecem 20% dos grãos colhidos.
Nas cidades, o desperdício é facilmente constatado. A Sabesp, de São Paulo, calcula prejuízo de 30% em seu faturamento por causa de vazamentos e defeitos na rede de distribuição. Isso sem contar o esbanjamento do próprio consumidor. Ao lavar o carro com uma mangueira, hábito largamente difundido no país, gastam-se em média 400 litros de água, quando se poderia gastar apenas 40 usando-se um balde. Em São Paulo, o consumo médio per capita de água é de 400 litros por dia, em comparação com 274 litros em países desenvolvidos. Lavam-se louças diretamente na torneira, varrem-se calçadas com jatos d'água, escovam-se os dentes e faz-se barba com torneiras abertas, ensaboa-se o corpo com chuveiro ligado, numa sucessão de pequenos vícios aparentemente normais, mas que custam bilhões ao país.
Na construção civil, segundo o Inmetro, hábitos errados provocam perdas de materiais de 16%, em média. Por exemplo, assentam-se tijolos para depois cortá-los para embutir canos e conduítes. O desperdício de gesso e tijolos chega a 45% em algumas construções. Nas empresas em geral, apesar dos avanços na racionalização do uso de energia, processos industriais ineficientes esbanjam recursos de forma generalizada.
Ao dizer que muitas vezes largamos metade da bisteca no prato, Lula levantou a bandeira do combate não só ao desperdício mas também à indiferença em relação a isso. Segundo José Graziano da Silva, coordenador do programa contra a fome do PT, o Brasil dispõe de 2.960 kcal/dia per capita, muito acima do nível mínimo de 1.900 kcal/dia, recomendado pela FAO para uma alimentação saudável. Apesar disso, o consumo médio no país é de apenas 1.650 kcal/dia. Não dá, portanto, para jogar meia bisteca no lixo.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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