São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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PAULADA NO DRAGÃO

Juros altos levam à espiral inflacionária, diz professor

Analista vê risco de efeito contrário

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O aumento da taxa básica de juro, aprovada ontem pelo Copom, poderá funcionar como gasolina, e não como água na fogueira da inflação. Pior: somada à alta de novembro -a Selic engordou sete pontos percentuais em apenas dois meses-, o governo jogou a economia numa espiral inflacionária. Essa é a opinião de Alberto Borges Matias, professor de economia da USP de Ribeirão Preto.
Segundo ele, o objetivo da puxada na Selic foi manter alto o juro real -descontada a inflação- e preservar os ganhos dos bancos e dos aplicadores. "A inflação alta foi uma desculpa para justificar o fim de festa dos ganhadores da atual política econômica, que estão aproveitando ao máximo os últimos momentos do modelo", diz Matias.
Ao tentar manter o juro real alto, o governo acaba pressionando o custo das empresas e realimentando a inflação. Isso porque as empresas brasileiras são muito dependentes de financiamento ao capital de giro e 90% dos recursos que captam são de curto prazo (30 a 60 dias). "O último aumento dos juros já foi repassado para os preços", diz Matias.
Segundo ele, aumentos de juros conseguem deter a inflação por um curto período de tempo e se as taxas são baixas. Além disso, o breque dos juros só funciona se a alta de preços estiver sendo puxada por um desequilíbrio entre oferta e demanda, o que não é o caso atual.
"A economia patina há três anos; se houve algum aumento de demanda nos últimos meses foi em cima de uma base deprimida, a de 2001", diz Fernando Coelho, analista da ABM Consulting.
Segundo Matias, a inflação que eclodiu neste ano foi provocada, principalmente, por aumento de custos: a disparada do câmbio encareceu as commodities, os componentes e os bens importados.
O impacto do câmbio acabou repassado pelas empresas, aproveitando a leve retomada do consumo de bens duráveis, desde setembro. "A perda de rentabilidade real das aplicações levou o consumidor a trocar ativos financeiros por bens de consumo", afirma o professor da USP.
Há, ainda, um componente monetário na inflação atual: o governo injetou R$ 7,3 bilhões em moeda no mercado entre janeiro e outubro, segundo dados do Banco Central. "A emissão monetária cresceu 22% no período", diz Alan Marinovic, economista da ABM Consulting.
Os analistas não sabem ao certo o que determinou a expansão monetária, mas suspeitam que foram as dificuldades na rolagem da dívida pública que obrigaram o governo a resgatar parte dos seus títulos no mercado.
"O problema é que a monetização da dívida gerou uma expectativa de mais inflação, tanto que as taxas de juros no mercado futuro já sinalizam uma inflação de 30% ao ano," acrescenta Matias.

Correlação
Um estudo da ABM Consulting comparando a evolução da taxa Selic com a inflação medida pelo IGP-DI mostra que, durante o Plano Real, juros básicos e inflação caminharam juntos, na mesma direção.
"De julho de 1994 a junho de 2002, se a Selic subia, a inflação também subia numa correlação positiva de 51%", explica Marinovic. Mesmo considerando uma defasagem de um a seis meses entre a alta dos juros e a inflação, a correlação continua positiva.
"Numa defasagem de seis meses entre a alta de juro e a inflação, encontramos uma correlação positiva de 5%, ou seja, ambos continuaram andando na mesma direção", diz ele.
Segundo Marinovic, se fosse verdadeira a tese do governo - mais juros reduzem a inflação-, a correlação entre os dois indicadores teria de ser negativa.
Para Hugo Penteado, economista-chefe do ABN Amro Asset Management, a escalada dos juros promovida pelo BC é "uma necessidade para "desinflacionar" a economia".
Segundo ele, o governo não tem alternativa: está seguindo o paradigma mundial que se baseia no tripé metas de inflação, câmbio livre e BC independente. Por esse modelo, no primeiro momento a alta dos juros conseguiria brecar a economia para que ela volte a crescer num segundo momento.


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