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OPINIÃO ECONÔMICA
Lula e 2004
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O presidente Lula fez ontem, diante de seus principais colaboradores, algumas afirmações perigosas sobre o que nos
espera em 2004. Decretou o fim
dos tempos difíceis, que segundo
ele são devidos totalmente a uma
pretensa herança maldita dos
anos FHC. Tivesse nosso presidente conselheiros mais sábios e,
talvez, a ênfase no fim dos anos
difíceis e duros para o brasileiro
comum seria mitigada.
Meu leitor já conhece as preocupações que trago comigo sobre o
que está acontecendo no mundo
global em que vivemos. Elas aumentam todos os dias na medida
em que os mercados financeiros
refletem, de maneira nervosa e
tensa, a evolução dos principais
indicadores econômicos. A queda
constante do valor do dólar, moeda sobre a qual está erguida toda a
estrutura econômica e financeira
atual, começa a assustar de verdade.
Os otimistas, que ainda são a
maioria, enxergam nesse processo a solução natural dos desequilíbrios atuais da maior economia
do planeta. Fazem uma leitura
tradicional dos livros textos de
economia sem considerar os pecados capitais contra a ortodoxia,
que são cometidos todos os dias
por autoridades econômicas e
monetárias em vários países importantes. Raciocinam em razão
de um mundo que não existe mais
e perdem com isso sua capacidade de entender o fenômeno econômico real.
Na China, no Japão e na maioria
dos países da Ásia, os bancos centrais compram quantidades crescentes de dólares, que estão nas
mãos dos exportadores, para evitar uma valorização de suas moedas nacionais. Nesse processo de
defesa do crescimento de suas
economias, acabam criando pelo
menos duas distorções fantásticas: um aumento brutal da liquidez interna e um dique temporário contra o aumento da inflação.
Esses dólares, que acabam no
caixa dos bancos centrais, são então reciclados para os Estados
Unidos sob a forma de compras
maciças de títulos do Tesouro.
Com isso, viabilizam a manutenção dos déficits gêmeos do governo Bush: o fiscal e o da balança de
pagamentos. Essa ciranda financeira evita que os juros de prazo
mais longo nos Estados Unidos
respondam ao aquecimento da
economia e viabilizam por mais
tempo a política monetária frouxa do Federal Reserve. Nesse cenário, a retomada da atividade
econômica se acelera, provocando a manutenção do déficit comercial e da conta corrente externa, e o ciclo do diabo é reiniciado.
No mundo financeiro, lugar em
que o número de operadores espertos e pragmáticos supera os
teóricos do equilíbrio clássico, esse processo circular é conhecido
muito bem, Ele já ocorreu várias
vezes nas últimas décadas e sempre terminou mal. Todos sabem
que esse autofinanciamento dos
déficits americanos pelos países
da Ásia vai acabar um dia e os desequilíbrios atuais vão provocar
uma correção dramática de moedas e juros e o aparecimento da
inflação.
Os mais afobados, ou talvez os
mais corretos, já estão trocando
seus dólares por outras moedas
ou bens físicos como ouro e outros metais. Sabem esses senhores
que o volume de dólares em circulação, mesmo com o entesouramento feito pelos bancos centrais asiáticos, é muito superior ao
compatível com uma economia
mundial equilibrada. Portanto
seu valor atual está errado e a possibilidade de sofrer uma correção
brusca aumenta a cada dia que
passa.
Nessa procura por águas mais
calmas cria-se uma corrida, ainda
organizada, para outras moedas
como o euro, o dólar canadense e
o australiano e, por incrível que
pareça o peso chileno e o real brasileiro. O ouro ressurgiu das cinzas como ativo de valor em tempos bicudos. Os mais ousados ou
seguros de suas convicções trocam dólares por moedas asiáticas
controladas por seus bancos centrais na segurança de que, em futuro próximo, elas vão voltar a
flutuar e proporcionar ganhos extraordinários.
Neste mundo em desalinho, os
riscos em 2004 são muito grandes.
Embora o Brasil seja um dos ganhadores nesse processo, os riscos que corremos quando a bolha
estourar são imensos. Na última
vez em que uma correção mais
brusca ocorreu, em 1994, o México quebrou. O Brasil foi atingido
de maneira suave em razão do sucesso do Plano Real. Agora a situação é diferente, pois a crise,
quando vier, será mais grave pela
dimensão e extensão dos desequilíbrios atuais. Por isso penso que o
otimismo do presidente e de seus
assessores pode ser muito perigoso!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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