UOL


São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A indústria do bingo

É um despropósito essa discussão sobre a legalização ou não dos bingos. Argumenta-se que foi a falta de regulamentação que produziu a disseminação de práticas condenáveis pelo setor e que regulamentá-lo ajudaria a trazer mais impostos e emprego. É de uma hipocrisia fantástica esse álibi que está sendo armado, de parte dos recursos dos bingos irem para o Fome Zero. Seria conveniente que José Graziano se pronunciasse energicamente contra essa exploração do movimento.
Há duas análises a serem feitas sobre os bingos: uma de ordem social e outra de ordem econômica. A social, sob a ótica da saúde pública. Os veículos que estão defendendo a legalização da atividade deveriam pesquisar as associações de apoio a viciados em jogo, para uma pálida avaliação do estrago produzido sobre milhares de famílias.
A segunda análise, a econômica, é sobre os esquemas de corrupção armados pelos bingos. Não se pode generalizar que todo dono de bingo seja contraventor. Mas existe uma economia do crime óbvia em torno dessa atividade. Legalizar o jogo poderia reduzir o "custo" para o setor. Mas ajudaria apenas a dar mais musculatura para quem já atua na zona cinzenta da ilegalidade.
Na região de São José dos Campos (SP), o Ministério Público Estadual resolveu investigar a atuação dos bingos e dos caça-níqueis. Foram denunciadas 25 pessoas corrompidas pelo setor, 11 das quais policiais civis (dentre eles, dois delegados, um assistente do delegado seccional de polícia de São José dos Campos), acusados pela prática dos crimes de formação de quadrilha e crimes contra a administração pública (corrupção passiva, prevaricação etc.); dois advogados e o restante formado por exploradores de caça-níqueis e bicheiros, todos denunciados por corrupção ativa. Isso apenas em duas cidades investigadas. Considerá-los pobres empresários incompreendidos, vítimas da falta de legalização da atividade, é o mesmo que considerar Jack, o Estripador, um cirurgião talentoso que apelou para práticas pouco ortodoxas por falta de registro médico.
Além deles, houve indícios de participação de outros 19 (dos quais mais seis delegados, com suspeita de envolvimento de setores da cúpula da Polícia Civil da região). Meses atrás, houve vazamento de informações sobre a investigação. Um assistente do delegado-geral de São Paulo comentou com ele sobre um suposto "grampo" que estaria ocorrendo. A própria cúpula da polícia disse que o avisaria sobre as investigações. O Ministério Público requisitou inquérito policial contra o delegado-geral, mas o episódio interrompeu as investigações.
O advogado do esquema, Waldir Sinigaglia, foi acusado cinco vezes de corrupção ativa, por corromper policiais da região. Ele mantém conexão com pessoas da Câmara dos Deputados suspeitas de operações de remessas de grandes valores ao exterior. As denúncias também estão sendo investigadas e envolvem dois altos funcionários da Câmara.
As investigações estão sendo conduzidas por procuradores responsáveis, que evitaram vazar dados para não comprometer os trabalhos. Só que, com o lobby montado pela indústria do bingo e dos caça-níqueis, é possível que a Câmara permita a legalização de uma atividade que deveria ser banida do país.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Preços: IPCA-15 fecha ano com alta de 9,86%
Próximo Texto: Tributação: Educação, setor usineiro e saúde ficam fora do aumento
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.