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São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

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FOGO AMIGO

Presidente da holding estatal do setor elétrico diz que mercados "apontam revólver contra a cabeça da área econômica"

Falta compreensão à Fazenda, diz Eletrobrás

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

"Se querem escolher uma briga, eu prefiro a briga com o Joaquim Levy [secretário do Tesouro]. Essas fofocas com a Dilma [Rousseff, ministra de Minas e Energia] são totalmente infundadas. Não há desentendimento. São apenas discussões no campo das idéias."
A declaração, dada à Folha, é do presidente da estatal Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa. Na entrevista, a primeira desde que surgiram rumores sobre uma suposta disputa entre ele e a ministra, Pinguelli defende que a Eletrobrás seja retirada do PND (Programa Nacional de Desestatização).
"Acho que há uma certa incompreensão da área econômica do governo quanto ao papel do Estado na área de energia elétrica", disse. "Vejo um pouco a área econômica com um revólver apontado para a cabeça pelo chamado mercado."
Pinguelli também quer que a Fazenda altere as regras que contabilizam a contribuição da Eletrobrás para o superávit primário do setor público. Junto com a usina de Itaipu, a estatal contribuirá com até R$ 6 bilhões para a meta deste ano. "É muita coisa. Isso não quer dizer que não quero fazer [superávit]. Estou dizendo apenas como fazer."
Questionado se as divergências o levariam a sair do governo, respondeu: "Não. Eu vou ficar enquanto for útil".

Folha - O novo modelo do setor elétrico é diferente do que o sr. sempre defendeu?
Luiz Pinguelli Rosa -
O que foi proposto não fere a espinha dorsal: ter planejamento e manter estatal a geração elétrica federal, o grupo Eletrobrás. Ou seja: abandona-se a privatização do setor elétrico. Também busca-se energia mais barata, num sistema de competição, por meio de licitações nas quais podem concorrer os diferentes agentes.

Folha - Na sua avaliação, qual a principal diferença em relação ao modelo anterior?
Pinguelli Rosa -
A diferença é que no governo FHC o grupo Eletrobrás não podia participar [dos leilões]. Agora participamos, embora minoritariamente. A Medida Provisória [do novo modelo] vai no sentido correto. Reconheço um esforço enorme da [ministra] Dilma em fazer valer essa filosofia, sofrendo pressões grandes, em diferentes sentidos, o que é natural numa sociedade democrática.

Folha - Que pressões?
Pinguelli Rosa -
É a idéia de uma privatização disfarçada. Significa manter as empresas estatais em condição de desvantagem na competição. Restritas por uma legislação que tem de ser removida.

Folha - Que legislação?
Pinguelli Rosa -
Nossa inclusão no PND [Plano Nacional de Desestatização], que não permite sermos majoritários em associações com o financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Isso não está claro no modelo e terá de ser resolvido.

Folha - Houve pressão do próprio governo sobre a ministra Dilma?
Pinguelli Rosa -
Acho que há uma certa incompreensão da área econômica do governo quanto ao papel do Estado na área de energia elétrica. O resultado que o ministério [de Minas e Energia] obteve só merece os maiores elogios.

Folha - Como o sr. avalia a manutenção da Eletrobrás no PND?
Pinguelli Rosa -
Vejo muito mais como uma preocupação com a chamada reação do mercado. Ou seja: vive-se muito num clima psicológico, de não perder a vantagem que se conquistou no primeiro ano de governo, de confiança do mercado em que as chamadas regras do jogo da economia capitalista sejam mantidas.

Folha - Como o sr. vê as críticas de que o novo modelo não é capaz de atrair investimentos?
Pinguelli Rosa -
Só se vai saber depois dos leilões [para a construção de novas usinas]. Tenho sido procurado por consórcios de empresas interessados em se associar em Belo Monte e Rio Madeira [projetos de usinas]. Não acho que o modelo possa ser julgado a priori. Estamos aqui para investir. Basta que o Tesouro Nacional alivie os critérios de contabilização do superávit primário, incluindo a parcela de Itaipu. Hoje, 80% da nossa receita em Itaipu é transferida ao Tesouro. Dá US$ 1,5 bilhão, mas talvez seja menos: US$ 1,2 bilhão. É muito dinheiro. Queremos investir isso. Mas não quer dizer que vamos fazer sozinhos. Queremos parcerias.

Folha - O novo modelo é mais estatizante?
Pinguelli Rosa -
Não é. Estou reclamando justamente disso. A Eletrobrás precisa ser mais livre para atuar.

Folha - Ocorreram desentendimentos entre o sr. e a ministra Dilma por causa do modelo?
Pinguelli Rosa -
O mundo não é um mar de rosas. Às vezes, um interpreta uma coisa, o outro interpreta outra. Isso significa apenas um diálogo saudável que confronta posições. Uma vez tomada a decisão, meu papel é cumprir.
Eu não gosto de fazer superávit primário, mas fiz. Falei ao presidente, na reunião em que estavam o Palocci e o Joaquim [Levy, secretário do Tesouro]: "Eu acho que não deveria ser assim". Se querem escolher uma briga, prefiro a briga com o Joaquim Levy. Essas fofocas com a Dilma são totalmente infundadas. Não é desentendimento, são discussões. Digo ao representante do Tesouro que deveria haver uma contabilidade diferente. Vou fazer isso até a morte.

Folha - A questão do PND também é um ponto de discórdia?
Pinguelli Rosa -
Acho que sair do PND tem de sair. Acho que há modos de contemplar as preocupações do mercado. Eles é que pressionam a área econômica do governo, que não quer estragar o clima de confiança do mercado. Vejo um pouco a área econômica do governo com um revólver apontado para a cabeça pelo chamado mercado. Acho que temos de ter um meio para resolver isso.

Folha - E sobre o superávit?
Pinguelli Rosa -
Sou a favor de somar o nosso superávit primário com o de Itaipu. E não de contabilizá-los separadamente. Aí, a minha contribuição fica enorme. São entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões, incluindo Itaipu. É muita coisa. Isso não quer dizer que não quero fazer. Estou dizendo apenas como fazer. É uma empresa de capital aberto. É meu dever também defender o interesse desses acionistas.

Folha - O sr. chegou a pedir demissão?
Pinguelli Rosa -
Não. Vou ficar enquanto for útil. Sou um professor da universidade que estou na Eletrobrás. Enquanto o governo achar que eu sou útil e eu me sentir útil, eu fico. Ainda tenho muita coisa a fazer. Se vão me deixar fazer, é outra questão.

Folha - O sr. acha que seus pleitos serão aceitos pela equipe econômica?
Pinguelli Rosa -
A Eletrobrás sairá do PND, garanto. Pode escrever. Também quero um tratamento diferenciado, como o dado à Petrobras. Quero as mesmas condições. Essa é uma posição que a Dilma colocou numa grande entrevista. A Dilma passou à minha frente na defesa da Eletrobrás.


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