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FOGO AMIGO
Presidente da holding estatal do setor elétrico diz que mercados "apontam revólver contra a cabeça da área econômica"
Falta compreensão à Fazenda, diz Eletrobrás
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
"Se querem escolher uma briga,
eu prefiro a briga com o Joaquim
Levy [secretário do Tesouro]. Essas fofocas com a Dilma [Rousseff, ministra de Minas e Energia]
são totalmente infundadas. Não
há desentendimento. São apenas
discussões no campo das idéias."
A declaração, dada à Folha, é do
presidente da estatal Eletrobrás,
Luiz Pinguelli Rosa. Na entrevista,
a primeira desde que surgiram
rumores sobre uma suposta disputa entre ele e a ministra, Pinguelli defende que a Eletrobrás seja retirada do PND (Programa
Nacional de Desestatização).
"Acho que há uma certa incompreensão da área econômica do
governo quanto ao papel do Estado na área de energia elétrica",
disse. "Vejo um pouco a área econômica com um revólver apontado para a cabeça pelo chamado
mercado."
Pinguelli também quer que a
Fazenda altere as regras que contabilizam a contribuição da Eletrobrás para o superávit primário
do setor público. Junto com a usina de Itaipu, a estatal contribuirá
com até R$ 6 bilhões para a meta
deste ano. "É muita coisa. Isso
não quer dizer que não quero fazer [superávit]. Estou dizendo
apenas como fazer."
Questionado se as divergências
o levariam a sair do governo, respondeu: "Não. Eu vou ficar enquanto for útil".
Folha - O novo modelo do setor
elétrico é diferente do que o sr.
sempre defendeu?
Luiz Pinguelli Rosa - O que foi
proposto não fere a espinha dorsal: ter planejamento e manter estatal a geração elétrica federal, o
grupo Eletrobrás. Ou seja: abandona-se a privatização do setor
elétrico. Também busca-se energia mais barata, num sistema de
competição, por meio de licitações nas quais podem concorrer
os diferentes agentes.
Folha - Na sua avaliação, qual a
principal diferença em relação ao
modelo anterior?
Pinguelli Rosa - A diferença é
que no governo FHC o grupo Eletrobrás não podia participar [dos
leilões]. Agora participamos, embora minoritariamente. A Medida Provisória [do novo modelo]
vai no sentido correto. Reconheço
um esforço enorme da [ministra]
Dilma em fazer valer essa filosofia, sofrendo pressões grandes,
em diferentes sentidos, o que é
natural numa sociedade democrática.
Folha - Que pressões?
Pinguelli Rosa - É a idéia de uma
privatização disfarçada. Significa
manter as empresas estatais em
condição de desvantagem na
competição. Restritas por uma legislação que tem de ser removida.
Folha - Que legislação?
Pinguelli Rosa - Nossa inclusão
no PND [Plano Nacional de Desestatização], que não permite
sermos majoritários em associações com o financiamento do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Isso não está claro no modelo e terá de ser resolvido.
Folha - Houve pressão do próprio
governo sobre a ministra Dilma?
Pinguelli Rosa - Acho que há
uma certa incompreensão da área
econômica do governo quanto ao
papel do Estado na área de energia elétrica. O resultado que o ministério [de Minas e Energia] obteve só merece os maiores elogios.
Folha - Como o sr. avalia a manutenção da Eletrobrás no PND?
Pinguelli Rosa - Vejo muito mais
como uma preocupação com a
chamada reação do mercado. Ou
seja: vive-se muito num clima psicológico, de não perder a vantagem que se conquistou no primeiro ano de governo, de confiança
do mercado em que as chamadas
regras do jogo da economia capitalista sejam mantidas.
Folha - Como o sr. vê as críticas de
que o novo modelo não é capaz de
atrair investimentos?
Pinguelli Rosa - Só se vai saber
depois dos leilões [para a construção de novas usinas]. Tenho sido
procurado por consórcios de empresas interessados em se associar
em Belo Monte e Rio Madeira
[projetos de usinas]. Não acho
que o modelo possa ser julgado a
priori. Estamos aqui para investir.
Basta que o Tesouro Nacional alivie os critérios de contabilização
do superávit primário, incluindo
a parcela de Itaipu. Hoje, 80% da
nossa receita em Itaipu é transferida ao Tesouro. Dá US$ 1,5 bilhão, mas talvez seja menos: US$
1,2 bilhão. É muito dinheiro. Queremos investir isso. Mas não quer
dizer que vamos fazer sozinhos.
Queremos parcerias.
Folha - O novo modelo é mais estatizante?
Pinguelli Rosa - Não é. Estou reclamando justamente disso. A
Eletrobrás precisa ser mais livre
para atuar.
Folha - Ocorreram desentendimentos entre o sr. e a ministra Dilma por causa do modelo?
Pinguelli Rosa - O mundo não é
um mar de rosas. Às vezes, um interpreta uma coisa, o outro interpreta outra. Isso significa apenas
um diálogo saudável que confronta posições. Uma vez tomada
a decisão, meu papel é cumprir.
Eu não gosto de fazer superávit
primário, mas fiz. Falei ao presidente, na reunião em que estavam
o Palocci e o Joaquim [Levy, secretário do Tesouro]: "Eu acho
que não deveria ser assim". Se
querem escolher uma briga, prefiro a briga com o Joaquim Levy.
Essas fofocas com a Dilma são totalmente infundadas. Não é desentendimento, são discussões.
Digo ao representante do Tesouro
que deveria haver uma contabilidade diferente. Vou fazer isso até
a morte.
Folha - A questão do PND também é um ponto de discórdia?
Pinguelli Rosa - Acho que sair do
PND tem de sair. Acho que há
modos de contemplar as preocupações do mercado. Eles é que
pressionam a área econômica do
governo, que não quer estragar o
clima de confiança do mercado.
Vejo um pouco a área econômica
do governo com um revólver
apontado para a cabeça pelo chamado mercado. Acho que temos
de ter um meio para resolver isso.
Folha - E sobre o superávit?
Pinguelli Rosa - Sou a favor de
somar o nosso superávit primário
com o de Itaipu. E não de contabilizá-los separadamente. Aí, a minha contribuição fica enorme.
São entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões, incluindo Itaipu. É muita
coisa. Isso não quer dizer que não
quero fazer. Estou dizendo apenas como fazer. É uma empresa
de capital aberto. É meu dever
também defender o interesse desses acionistas.
Folha - O sr. chegou a pedir demissão?
Pinguelli Rosa - Não. Vou ficar
enquanto for útil. Sou um professor da universidade que estou na
Eletrobrás. Enquanto o governo
achar que eu sou útil e eu me sentir útil, eu fico. Ainda tenho muita
coisa a fazer. Se vão me deixar fazer, é outra questão.
Folha - O sr. acha que seus pleitos
serão aceitos pela equipe econômica?
Pinguelli Rosa - A Eletrobrás sairá do PND, garanto. Pode escrever. Também quero um tratamento diferenciado, como o dado
à Petrobras. Quero as mesmas
condições. Essa é uma posição
que a Dilma colocou numa grande entrevista. A Dilma passou à
minha frente na defesa da Eletrobrás.
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