São Paulo, Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil derruba teses sobre câmbio

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O artigo da semana passada sobre a dolarização do Equador suscitou reação do embaixador equatoriano em Brasília. Em carta publicada pela Folha de S.Paulo, o diplomata reclamou dos "adjetivos grosseiros" que teria utilizado contra o presidente do seu país. Segundo ele, recorri a termos "indignos de um professor universitário", que "não podem de maneira nenhuma ser usados para se referir ao primeiro mandatário de um país".
Compreendo a reação do embaixador, mas não é verdade que tenha lançado adjetivos grosseiros contra o presidente do Equador. Recorri a palavras duras, mas um presidente da República pode, sim, ser alvo de sarcasmo, ironia, críticas severas e até agressivas, especialmente quando coloca a sua sobrevivência política acima de aspectos fundamentais da soberania do seu país.
Quanto à veemência da linguagem, lembro que nós, professores, também temos direito à indignação. Mais do que isso, como disse Keynes certa vez, "words ought to be a little wild, for they are the assault of thought upon the unthinking" ("as palavras devem ser um pouco selvagens, pois elas são a investida do pensamento contra os que não pensam").
Mas, enfim, não era do Equador ou da dolarização que pretendia falar hoje, e sim de um assunto correlato. O Banco Central acaba de divulgar os resultados preliminares do balanço de pagamentos do Brasil em 1999. Como não poderia deixar de ser, a situação continua precária. Mas a melhora é nítida, e se deve fundamentalmente à desvalorização do real.
Tudo indica que a experiência brasileira irá desmentir a suposição, propagada por muitos defensores da ancoragem cambial ou da dolarização, de que a desvalorização da taxa de câmbio é ineficaz como instrumento de política econômica.
Até 1999, circulavam amplamente duas teses equivocadas sobre câmbio. Alguns sustentavam, com generosa cobertura da mídia, que era impossível desvalorizar a taxa de câmbio em termos reais. Uma desvalorização nominal mais acentuada, diziam, provocaria uma explosão da inflação, impedindo o pretendido ajuste do câmbio real. Outros admitiam a possibilidade de uma desvalorização real, mas asseguravam que ela teria pouco ou nenhum efeito sobre o balanço de pagamentos.
A primeira tese foi derrubada já no final do primeiro semestre de 1999, quando se percebeu que o impacto inflacionário da desvalorização cambial seria muito menor do que o esperado. A segunda tese foi sendo esvaziada ao longo do segundo semestre, à medida que foram aparecendo os dados sobre o desempenho do setor externo da economia brasileira.
A divulgação dos números completos de 1999 coloca mais um prego no caixão da tese da ineficácia da desvalorização. O espaço não permite comentar essas estatísticas em detalhe, o que seria, de qualquer maneira, arriscar-se ao tédio do leitor. Remeto os interessados à página do Banco Central na Internet (www.bcb.gov.br/htms/notecon.htm).
O indicador que talvez melhor sintetize a evolução favorável das contas externas é o valor em dólares do déficit em conta corrente, que caiu 27% de 1998 para 1999. Essa redução, embora ainda insuficiente, é bastante significativa. Graças a ela, começou a diminuir o ritmo de crescimento do passivo internacional do país e a nossa dependência em relação a capitais externos.
Evidentemente, ainda falta muito para consolidar a posição brasileira. Não seria de se esperar que conseguíssemos superar em prazo curto as consequências adversas de anos e anos de políticas macroeconômicas irresponsáveis.
Mas estamos começando a remover aquela que vinha sendo uma das principais, senão a principal, restrição à retomada do crescimento econômico: o crônico desequilíbrio externo produzido pelo Plano Real. Contrariando o que disseram e ainda dizem os defensores da subordinação monetária, comprova-se uma vez mais que a autonomia cambial é um instrumento do qual o Brasil não deve, de maneira alguma, abrir mão.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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