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OPINIÃO ECONÔMICA
Transportes: devagar quase parando
JOSEF BARAT
Os graves problemas que
atingem os transportes têm
origem em passado remoto. Os
gargalos acumularam-se, sem dúvida, por imprevidência de inúmeros governos e, por duas décadas, vêm estrangulando a oferta.
No que diz respeito à era FHC, porém, pode-se destacar alguns aspectos que agravaram os problemas do passado. Do ponto de vista institucional, foram desmontados por completo os núcleos de
inteligência da administração pública federal ligada aos transportes. Sob o pretexto da "privatização" como solução para todos os
males, retardou-se a reestruturação do Ministério dos Transportes e das organizações públicas a
ele vinculadas, para as funções
não delegáveis pelo Estado. As
concessões foram feitas, inclusive,
sem que se criasse uma agência
reguladora (como ocorreu nos setores de energia, petróleo e telecomunicações). Só recentemente foram criadas duas agências (uma
terrestre e outra hidroviária) na
contramão dos modernos conceitos de coordenação, integração e
multimodalidade. E uma reforma
pífia não deu à estrutura executiva do ministério uma instância
moderna de planejamento estratégico, formulação de políticas
públicas e coordenação.
Do ponto de vista operacional,
agravou-se de forma alarmante o
processo de degradação física da
malha rodoviária sob responsabilidade federal. Segundo pesquisa
da CNT (Confederação Nacional
dos Transportes), em cerca de 45
mil km de rodovias avaliados,
quase 70% encontram-se em estado classificado como deficiente,
ruim ou péssimo. Já para o Ministério dos Transportes, na avaliação de 47 mil km, 60% têm sua
condição classificada como regular, má ou péssima. Divergências
à parte, é óbvio que essa absurda
degradação do patrimônio rodoviário do país traduz-se em elevação dos custos de operação e manutenção da frota de caminhões e
veículos comerciais de carga. Aumenta, também, o número de acidentes e vítimas, onerando a sociedade com despesas de internações hospitalares e tratamentos
de reabilitação, além do inaceitável custo das mortes e deficiências
físicas permanentes.
As concessões -apontadas como solução para a falta de recursos públicos destinados à restauração das rodovias- mostraram-se de alcance muito limitado. Dos
cerca de 54 mil km de rodovias federais pavimentadas, pouco mais
de 4.600 -ou seja, 8,5% dessa extensão- foram concedidos, aí incluídos os cerca de 3.000 km de
rodovias delegadas pela União
aos Estados. Em princípio, o interesse demonstrado pelo setor privado atinge, numa visão muito
otimista, mais 8.000 km. Somados
à extensão já concedida, as concessões rodoviárias federais poderão perfazer, no máximo, cerca
de 23% da malha viária pavimentada. Mas considerando que, excluído o minério de ferro, os caminhões são responsáveis por
mais de 70%, é óbvio que o estado
lastimável das rodovias afeta o
abastecimento interno e a competitividade das exportações. Com
isso, eleva-se muito o "custo Brasil", num momento em que temos
que baratear o custo dos alimentos e ampliar as exportações.
Já no caso das ferrovias, com a
"privatização" de toda a malha
ferroviária, a solução está virando
um problema. No processo de
concessões, assumiram o controle das ferrovias os grandes conglomerados que tinham, nesse
modal, o meio de transporte dos
seus insumos e produtos. O transporte ferroviário sempre se concentrou em um número reduzido
de cargas, tais como minério de
ferro, produtos siderúrgicos, cimento, carvão e grãos. Os concessionários, que eram os grandes
clientes, transformaram as ferrovias em centros de custos dos seus
negócios, deixando de lado a visão do transporte multimodal e
da captação de cargas apropriadas ao transporte ferroviário e sua
integração com o rodoviário. Para
completar, os concessionários
não vêm cumprindo as metas de
investimentos de seus contratos.
Nos portos, a situação continua
grave. A Lei dos Portos trouxe alguns benefícios, mas criou um
emaranhado de instâncias decisórias que deixaria Kafka perplexo.
Com exceção dos terminais privativos, a situação dos portos é ainda dramática. Acessos deficientes
para caminhões e trens, operações com baixa produtividade e
custos operacionais ainda muito
elevados, quando comparados
aos dos portos americanos e europeus. Além disso, a "privatização"
nos portos obedeceu a uma lógica
que vai na direção contrária do
que ocorre em países mais desenvolvidos. Prevalece a concessão
fragmentada de áreas e serviços
específicos, em detrimento da
gestão do todo como negócio e
que visa a competir com outros
portos na busca de cargas na sua
região de influência. O porto moderno é, sobretudo, um promotor
das exportações e um indutor do
desenvolvimento regional.
Nos transportes metropolitanos, a situação é inquietante. Não
é concebível que se continue a
perpetuar a omissão do governo
federal não somente na formulação de políticas públicas como
também no aporte de recursos. É
uma grande hipocrisia colocar
nas mãos das autoridades locais a
responsabilidade pela modernização e pela ampliação dos sistemas de trens e metrôs nas regiões
metropolitanas. São problemas
de grande complexidade, que envolvem uma política industrial relacionada com cadeias produtivas
complexas para o material rodante e equipamentos, além de interfaces com políticas energéticas e
ambientais, de âmbito federal.
Apenas como exemplo, no caos
gerado pela crise energética, o suprimento de eletricidade para
trens e metrôs não mereceu tratamento condizente com a sua importância social. Do ponto de vista institucional e de mecanismos
de financiamento regredimos para era anterior aos anos 70.
Infra-estruturas de transporte
demandam estratégias, políticas,
planos e recursos que obrigam a
administração pública trabalhar
com uma visão de longo prazo.
Claro que para a alocação de recursos escassos as concessões são
bem-vindas, mas devem ser vistas
como instrumentos de políticas
públicas mais amplas, e não como
um fim em si mesmas. Grande
parte das infra-estruturas continuará a depender, para a sua preservação e ampliação, de recursos
públicos a fundo perdido. O importante, portanto, é que o novo
governo comece a pensar seriamente em reestruturar as bases
institucionais e organizacionais,
além de criar mecanismos de financiamento estáveis no longo
prazo. Titubeios iniciais são naturais em inícios de governo. Mas é
preciso ver as coisas com clareza:
"tapa buracos" em estradas é tão
somente uma ação emergencial,
não política de transportes e, muito menos, política social.
Hoje o objetivo social maior é o
da chamada segurança alimentar
e o econômico o de aumentar a
competitividade das exportações.
Portanto o papel dos transportes
é baixar custos e viabilizar logísticas mais condizentes com esses
objetivos. Se quisermos pensar
seriamente em crescimento e termos alguma perspectiva de futuro, não poderemos deixar de fortalecer as nossas infra-estruturas
de transporte. Sendo indutoras
do desenvolvimento e da organização territorial, torna-se premente a necessidade de planos e
programas governamentais
abrangentes, integrados e de natureza estratégica, para atender o
presente e balizar as expansões
futuras. Infelizmente, tomando
de empréstimo frase do sábio barão de Itararé, "tudo seria fácil se
não fossem as dificuldades".
Josef Barat, 63, economista, é membro
do Conselho de Economia, Sociologia e
Política da Federação do Comércio do
Estado de São Paulo. Foi secretário de
Transportes do Estado do Rio (governo
Faria Lima e Moreira Franco) e presidente da Empresa Metropolitana de Transportes do Estado de São Paulo (1979-80).
E-mail: barat@hipernet.com.br
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