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OPINIÃO ECONÔMICA
São Paulo, meu amor!
BENJAMIN STEINBRUCH
O repórter Alencar Izidoro,
da Folha, contou no início
de outubro a incrível história da
empregada doméstica Virgínia
Maria de Jesus Santos, que caminha diariamente 22 km para ir ao
trabalho e voltar para casa. Ela
faz isso não porque goste de andar, mas para economizar o dinheiro da passagem de ônibus e
assim pagar as despesas de aluguel do cômodo onde mora com
dois filhos, em São Paulo.
Os 11 milhões de habitantes da
megalópole São Paulo, que faz
450 anos no domingo, sofrem de
muitas dores. Pobreza, miséria,
violência, habitações precárias e
desemprego são algumas delas. O
transporte de massa deficiente e
caótico nem está entre as dores
mais pungentes. Mas a história de
Virgínia é um retrato dramático
da precariedade dos transportes
públicos.
Em diferentes graus, praticamente todos os habitantes de São
Paulo são vítimas do transporte
caótico. Virgínia sofre porque não
tem dinheiro para a condução e
precisa andar quase seis horas
por dia -estima-se que existam
200 mil pessoas nessa condição na
cidade. O trabalhador da indústria, porque enfrenta ônibus ou
trens lotados e perde até três horas diárias viajando como sardinha em lata. O motorista de carro
próprio, porque vive o estresse de
congestionamentos gigantes em
meio a uma frota de cinco milhões de veículos e desperdiça
tempo e combustível.
No início de um ano com eleições municipais na agenda, quem
mora em São Paulo já convive
com um bom número de obras.
As duas principais levaram à interdição das avenidas Rebouças e
Cidade Jardim para a construção
de túneis sob a Avenida Faria Lima. Outras obras, como a linha 4
do Metrô, vão começar em breve.
Qualquer pessoa sabe que a solução óbvia para os problemas do
trânsito nas grandes cidades passa pelo investimento em transporte coletivo. São Paulo conta com
50 km de metrô, mas, para ter um
sistema razoavelmente eficiente,
precisaria de pelo menos 150 km
de linhas, interligadas a corredores de ônibus e trens. Para isso, teria de investir US$ 10 bilhões, segundo estimativa de especialistas.
Mesmo que a metrópole, num
passe de mágica, conseguisse esse
dinheiro, ainda levaria pelo menos uma década para pôr o sistema em funcionamento. Então,
enquanto não se encontram os
meios para ampliar o transporte
de massa, é necessário desenhar
pequenas soluções para destravar
a cidade.
Os túneis sob a Faria Lima, por
mais que transtornem o dia-a-dia
do paulistano, são necessários. O
automóvel, pior meio de transporte em termos de custo benefício para a coletividade, não pode
ser odiado, porque bem ou mal
representa a realidade urbana
deste início de século 21, com a
qual teremos de conviver ainda
por muitos anos.
Não parecem razoáveis nem inteligentes algumas regras e tradições do sistema viário paulistano.
Dias atrás, um francês ficou estupefato com a proibição de conversão à direita com o sinal fechado
numa esquina em que praticamente não circulam pedestres. Isso é permitido em quase toda a
Europa.
Inúmeras outras regras autoritárias e ultrapassadas travam o
trânsito sem necessidade. Bloqueiam-se ruas para manter privilégios de moradores, o que impede a abertura de caminhos alternativos e obriga ônibus e carros a circularem por corredores
entupidos. Colocam-se sinais em
rotatórias, que existem exatamente para evitar semáforos.
Proíbem-se conversões à esquerda em avenidas com ilhas largas,
onde seriam perfeitamente viáveis. Reduz-se propositalmente a
velocidade para 40 km/h em trechos onde se poderia trafegar a 60
km/h com segurança, apenas para movimentar a indústria de
multas. Ruas que comportam
mão dupla têm sentido único.
Distorções como essas punem o
motorista pelo uso do carro próprio, punição que só seria útil para reduzir o número de veículos
nas ruas se houvesse transporte
público eficiente na cidade.
Enquanto os pesados investimentos nessa área não vêm, seria
mais prático tentar destravar o
trânsito com pequenas obras e
medidas serenas e responsáveis.
Isso viria em boa hora neste 450º
aniversário da cidade, como um
presente aos milhões de paulistanos que, segundo os versos de
Tom Zé, morrem diariamente a
todo o vapor, se amam com todo
o ódio e se odeiam com todo o
amor.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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