São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

São Paulo, meu amor!

BENJAMIN STEINBRUCH

O repórter Alencar Izidoro, da Folha, contou no início de outubro a incrível história da empregada doméstica Virgínia Maria de Jesus Santos, que caminha diariamente 22 km para ir ao trabalho e voltar para casa. Ela faz isso não porque goste de andar, mas para economizar o dinheiro da passagem de ônibus e assim pagar as despesas de aluguel do cômodo onde mora com dois filhos, em São Paulo.
Os 11 milhões de habitantes da megalópole São Paulo, que faz 450 anos no domingo, sofrem de muitas dores. Pobreza, miséria, violência, habitações precárias e desemprego são algumas delas. O transporte de massa deficiente e caótico nem está entre as dores mais pungentes. Mas a história de Virgínia é um retrato dramático da precariedade dos transportes públicos.
Em diferentes graus, praticamente todos os habitantes de São Paulo são vítimas do transporte caótico. Virgínia sofre porque não tem dinheiro para a condução e precisa andar quase seis horas por dia -estima-se que existam 200 mil pessoas nessa condição na cidade. O trabalhador da indústria, porque enfrenta ônibus ou trens lotados e perde até três horas diárias viajando como sardinha em lata. O motorista de carro próprio, porque vive o estresse de congestionamentos gigantes em meio a uma frota de cinco milhões de veículos e desperdiça tempo e combustível.
No início de um ano com eleições municipais na agenda, quem mora em São Paulo já convive com um bom número de obras. As duas principais levaram à interdição das avenidas Rebouças e Cidade Jardim para a construção de túneis sob a Avenida Faria Lima. Outras obras, como a linha 4 do Metrô, vão começar em breve.
Qualquer pessoa sabe que a solução óbvia para os problemas do trânsito nas grandes cidades passa pelo investimento em transporte coletivo. São Paulo conta com 50 km de metrô, mas, para ter um sistema razoavelmente eficiente, precisaria de pelo menos 150 km de linhas, interligadas a corredores de ônibus e trens. Para isso, teria de investir US$ 10 bilhões, segundo estimativa de especialistas.
Mesmo que a metrópole, num passe de mágica, conseguisse esse dinheiro, ainda levaria pelo menos uma década para pôr o sistema em funcionamento. Então, enquanto não se encontram os meios para ampliar o transporte de massa, é necessário desenhar pequenas soluções para destravar a cidade.
Os túneis sob a Faria Lima, por mais que transtornem o dia-a-dia do paulistano, são necessários. O automóvel, pior meio de transporte em termos de custo benefício para a coletividade, não pode ser odiado, porque bem ou mal representa a realidade urbana deste início de século 21, com a qual teremos de conviver ainda por muitos anos.
Não parecem razoáveis nem inteligentes algumas regras e tradições do sistema viário paulistano. Dias atrás, um francês ficou estupefato com a proibição de conversão à direita com o sinal fechado numa esquina em que praticamente não circulam pedestres. Isso é permitido em quase toda a Europa.
Inúmeras outras regras autoritárias e ultrapassadas travam o trânsito sem necessidade. Bloqueiam-se ruas para manter privilégios de moradores, o que impede a abertura de caminhos alternativos e obriga ônibus e carros a circularem por corredores entupidos. Colocam-se sinais em rotatórias, que existem exatamente para evitar semáforos. Proíbem-se conversões à esquerda em avenidas com ilhas largas, onde seriam perfeitamente viáveis. Reduz-se propositalmente a velocidade para 40 km/h em trechos onde se poderia trafegar a 60 km/h com segurança, apenas para movimentar a indústria de multas. Ruas que comportam mão dupla têm sentido único.
Distorções como essas punem o motorista pelo uso do carro próprio, punição que só seria útil para reduzir o número de veículos nas ruas se houvesse transporte público eficiente na cidade.
Enquanto os pesados investimentos nessa área não vêm, seria mais prático tentar destravar o trânsito com pequenas obras e medidas serenas e responsáveis. Isso viria em boa hora neste 450º aniversário da cidade, como um presente aos milhões de paulistanos que, segundo os versos de Tom Zé, morrem diariamente a todo o vapor, se amam com todo o ódio e se odeiam com todo o amor.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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