São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Desenvolvimento ou mediocridade

LUCIANO COUTINHO

Assim que concluir a reforma ministerial e recompor a base de sustentação política do governo, o presidente Lula precisará enfrentar o desafio de firmar um rumo credível para o desenvolvimento do país, mormente porque o significativo retrocesso na política monetária (recém-confirmado por mais uma elevação da Selic pelo Copom) criou dúvidas a respeito da sustentabilidade do crescimento. Bases mínimas para o crescimento estão dadas (solidez da política fiscal e robustecimento gradativo da posição externa), mas falta uma estratégia de desenvolvimento consistente e convincente.
Uma estratégia de desenvolvimento não pode abalar os fundamentos fiscais, o controle da inflação e a consolidação da posição externa, mas não terá consistência se não viabilizar novos investimentos intensivos em capital e com longos prazos de maturação, que, por sua própria natureza, correm à frente da demanda. Esses investimentos incorrem em riscos mais altos e exigem a construção de condições complexas de financiamento. Ou seja, não se está tratando dos investimentos que por sua menor escala e menor grau de risco podem ser induzidos pelo próprio crescimento, coisa que, aliás, vem ocorrendo, como atesta o expressivo crescimento das operações do BNDES.
Para sustentar um ciclo expansivo, é urgentíssimo deslanchar investimentos infra-estruturais (logística e energia) e industriais básicos (siderurgia, petroquímica, outros bens intermediários), cuja intensidade de capital requer condições especiais de financiamento.
No caso das infra-estruturas, o desafio é maior, pois a necessária participação do setor público não pode pressionar as metas fiscais. Daí por que a atração de concessionários e/ou de investidores privados precisa ser viabilizada, caso a caso, com o setor público, sob estruturas de "funding" compativelmente construídas. Para isso, é indispensável criar soluções cooperativas em que os bancos federais, as instituições multilaterais de crédito, o mercado de capitais e o sistema bancário possam impulsionar os escassos recursos fiscais disponíveis. As Parcerias Público-Privadas, cuja regulamentação é urgente, e a técnica de "projet finance" devem ser acionadas para instrumentalizar essas soluções.
Os investimentos industriais intensivos em capital, por sua vez, dependem de uma coordenação de interesses do setor privado entre si ou com o setor público e também requerem a estruturação de "funding" adequado. Cabe ao BNDES o papel de viabilizador de soluções cooperativas em que o mercado de capitais e o sistema bancário possam se engajar. Cabe inquirir se a TJLP (ainda muito elevada em termos reais quando chega ao cliente) é compatível com esses projetos.
O deslanche desses investimentos é mais que urgente, pois estrangulamentos precisam ser evitados, e a captura de novas oportunidades de exportação requer celeridade. Sem destruir as bases da estabilidade e sem solapar as metas fiscais, a estratégia de desenvolvimento deveria ganhar primazia dentro da política de governo, de tal forma a cimentar a confiança e relativizar o recuo na política monetária sob uma perspectiva de longo prazo. Sem isso, a mediocridade!


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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