São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

A BM&F e os riscos do dólar

RENATO JUNQUEIRA

A flutuação do câmbio e um relatório do BIS (Bank for International Settlements, na sigla em inglês) sobre os mercados derivativos chamaram a atenção da opinião pública para o papel da BM&F nesse contexto. Segundo o BIS, os valores em giro nos mercados derivativos atingiram, no último trimestre do ano passado, US$ 279 trilhões. Isso equivale a mais de 20 vezes o PIB dos EUA ou da União Européia.
Pelo gigantismo dos números e por se tratar de questão complexa, passou despercebido o giro dos derivativos fora de Bolsas, no balcão ("Over the Counter" ou OTC), de US$ 220 trilhões. Cerca de 87% do volume global de OTC é juro e câmbio.
É natural que o câmbio provoque emoções, pois está em jogo o valor de troca da moeda nacional. A BM&F passou a ocupar um lugar de destaque nesse cenário por três motivos: primeiro porque oferece ao mercado o único contrato futuro regulado e auto-regulado no Brasil para cobrir riscos cambiais. Segundo porque administra uma "clearing" de câmbio que liquida diariamente cerca de 90% das transações interbancárias. Terceiro porque vem desenvolvendo em parceria com o BID mecanismos para compensar fluxos financeiros no comércio da América Latina.
O Brasil terá, nesse contexto, de optar pelo tamanho e mecanismos de Bolsa que quer utilizar. A escala operacional é fundamental. O giro dos derivativos em Bolsa no Brasil em comparação com o PIB é, ainda, menos da metade do que acontece nos EUA ou na Europa.
É visível o interesse dos bancos centrais em trazer para mercados regulados e transparentes de Bolsa as operações com derivativos que caibam em seus formatos contratuais clássicos. A migração para o balcão global pode tornar irrelevante a atuação do órgão regulador local e dificultar o acesso das empresas de menor porte aos derivativos de juros e câmbio.
A busca de transparência e o fortalecimento da auto-regulação por meio das Bolsas podem aumentar mais ainda os volumes negociados na BM&F, o que, felizmente, parece estar acontecendo aqui. Há especulação nos mercados derivativos? Há, da mesma forma que há busca permanente de hedge (cobertura/seguro de preço). Qual a alternativa para esses mercados? Se forem engessados em Bolsa, o giro sem transparência aumenta.
A melhor indicação da vantagem do desenvolvimento dos mercados futuros no Brasil está nos balanços de algumas empresas que se cobriram adequadamente contra a volatilidade das commodities e declararam aos acionistas que essa foi uma das razões de sua lucratividade. Infelizmente, existem tesourarias competentes e empresas que preferem transferir riscos para o Estado ou para a contínua desvalorização da moeda brasileira.
Quando se fala sobre o dólar, muitas vezes assume-se, também, apenas o lado do devedor, esquecendo o poupador. Se dois aplicadores tivessem entregue sua poupança a fundos de pensão no início do ano 2000 (quando foi lançado o euro), quem aplicou em dólar teria hoje US$ 1 para cada dólar e quem aplicou em euro teria US$ 1,32 para cada dólar. Essa comparação não leva em conta as taxas de juros, a inflação ou políticas públicas e outros fatores externos que podem influir no giro em Bolsas. Não é apenas no Brasil que a volatilidade do dólar aumentou o giro: cresceram substancialmente os volumes nas Bolsas internacionais. Precisamos definir se queremos hedge aqui ou lá fora.
Os derivativos servem para gerenciar a volatilidade. À medida que se politiza o tema, os mercados futuros encurtam os prazos e podem ficar mais caros. No passado, na ausência dos derivativos, os mais bem situados e com maior musculatura política rasparam o fundo do tacho dos recursos públicos, "mamando nas tetas do governo", como se costuma dizer.



Renato Junqueira é presidente em exercício do Conselho de Administração da BM&F.

Excepcionalmente, hoje, a coluna de Rubens Ricupero não será publicada.


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