São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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'FALCÃO' NO BIRD

Indicado por Bush para comandar o Banco Mundial quer fugir da imagem difundida de linha-dura

Wolfowitz diz conhecer combate à pobreza

DO ""FINANCIAL TIMES"

Sob circunstâncias diferentes, Paul Dundes Wolfowitz, o secretário-adjunto da Defesa dos EUA, seria uma opção muito menos polêmica para ocupar a presidência do Banco Mundial. O homem que George W. Bush costuma chamar de "Wolfie" já ocupou diversos cargos diplomáticos e de segurança nacional sob seis presidentes diferentes, dirigiu uma prestigiosa escola de política externa e vários setores da burocracia governamental e tem mais experiência de vida em países em desenvolvimento do que qualquer presidente anterior do Banco Mundial.
Mas as circunstâncias sempre vêm ao caso. Wolfowitz, indicado por Bush para a presidência do banco na semana passada, foi a principal força intelectual por trás da invasão do Iraque, a mais controversa guerra travada pelos Estados Unidos desde o Vietnã. Ele também vem sendo o mais veemente defensor do uso ousado de força militar para escorar regimes tirânicos, de tal modo que -com ou sem razão- conquistou fama internacional de fanático.
Dentro dos EUA, o sumo sacerdote dos chamados ""Vulcanos" -o apelido dado ao pequeno grupo de assessores de Bush para a área da segurança durante a campanha eleitoral presidencial de 2000, que incluía a atual secretária de Estado, Condoleezza Rice- passou os últimos dois anos defendendo-se diante do Congresso e outros setores em função das previsões otimistas que traçou para a Guerra do Iraque. Antes da invasão americana, Wolfowitz previu que os iraquianos iriam receber as forças americanas de braços abertos.
Seu otimismo efervescente também ficou claro pela maneira despreocupada como desprezou a opinião manifestada por Eric Shinseki, ex-chefe do Estado-Maior do Exército americano, para quem os EUA precisariam de algumas centenas de milhares de homens no Iraque. Para os críticos, esse erro de cálculo resultou em mais mortos americanos, à medida que as forças da coalizão foram tendo dificuldade em derrotar a insurgência obstinada.
Os críticos da indicação de Wolfowitz para a presidência do Banco Mundial questionam se ele poderá facilmente transferir sua atenção da administração Bush e da prioridade que ela atribui à guerra contra o terror para o conselho de direção de um banco cujos 184 países-membros travam uma guerra contra a pobreza. Sua independência pode acabar comprometida pela força dos vínculos que ele possui com os círculos internos da administração Bush, conforme evidenciados claramente em uma foto pendurada na parede de seu gabinete, mostrando Wolfowitz entre o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, e o vice-presidente e ex-secretário de Defesa Dick Cheney. Este último rabiscou sobre a foto: "Paul, quem é o melhor secretário da Defesa para quem você já trabalhou? Dick".
O poder do presidente do Banco Mundial é limitado pelo conselho executivo, que tem poder decisório em questões políticas e de concessão de empréstimos, e os países do G7, que regem a governança do banco. Mas a presidência do Banco Mundial também proporciona a quem a ocupa um ótimo púlpito desde o qual difundir suas idéias. James Wolfensohn, o presidente que está de saída, encontrou oposição dentro e fora do banco, mas mesmo assim deixou sua marca própria sobra a discussão do desenvolvimento, na qual enfatizou o combate à corrupção e o alívio da dívida dos países pobres. Wolfowitz pode optar por usar o cargo para promover a pauta de prioridades dos EUA.
Para seus críticos no Banco Mundial, a questão é se eles vão conseguir encontrar meios de trabalhar com um homem que afirma compreender que não vai mais estar trabalhando para os EUA e que estará pronto para ouvir. Embora Wolfowitz não seja elogiado por suas credenciais multilateralistas -ele aprovou uma política que impediu países não participantes da coalizão liderada pelos EUA de participar das licitações para obras de reconstrução no Iraque-, ele afirma conhecer em primeira mão a necessidade de cooperação multilateral para combater a pobreza.

Experiência
Respondendo às críticas de que lhe falta experiência na área das finanças e do desenvolvimento, Wolfowitz observa que a fase durante a qual foi embaixador dos EUA na Indonésia, no final dos anos 1980, lhe proporcionou uma base em questões ligadas ao desenvolvimento. "Não sou diletante", afirmou em entrevista concedida ao "Financial Times".
Wolfowitz diz que ajudou para que fosse encontrado um consenso entre interesses conflitantes na Embaixada dos EUA em Jacarta. Ex-diretor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, em Washington, ele observa ironicamente que administrar acadêmicos pode ser "como pastorear gatos e cangurus juntos".
Um ex-assessor do Congresso que trabalhou com Wolfowitz diz que ele é uma das figuras de Washington mais injustamente caricaturada e que, com freqüência, acaba levando a culpa por decisões tomadas por Dick Cheney ou Donald Rumsfeld. Como embaixador dos EUA, Wolfowitz causou boa impressão a muitas pessoas na Indonésia, onde, segundo um de seus assessores, ganhou muitos "fãs vitalícios".
Nem todo mundo concorda. O primeiro-ministro de Timor Leste, Mari Alkatiri, disse que os países mais poderosos do mundo -excluindo os EUA- precisam analisar seriamente o apoio que podem dar à indicação de Wolfowitz, tomando nota de sua proximidade com o regime do presidente Suharto, que governou a Indonésia com mão de ferro por três décadas.
Ao longo de sua carreira no governo, Wolfowitz vem combatendo a imagem que possui de ser um teórico extremamente inteligente, mas administrador não tão eficiente. Muitos fontes internas do Pentágono dizem que ele é pouco capaz como administrador, o que tradicionalmente é o papel principal do vice. Mas seus defensores dizem que Rumsfeld inverteu a estrutura tradicional, conferindo o papel estratégico a seu vice.
O paralelo mais evidente à indicação de Wolfowitz ao Banco Mundial é Robert McNamara, o ex-secretário de Defesa que deixou o Pentágono antes do fim da Guerra do Vietnã para presidir o Banco. McNamara foi uma escolha controvertida, mas ele chegou ao fim de seus 13 anos de mandato com sua reputação até certo ponto restaurada.
Será que Wolfowitz enxerga algum paralelo entre seu caso e o de McNamara? "Não. Para começo de conversa, não costumo me enxergar nos diversos moldes nos quais as pessoas querem me encaixar. Uma coisa que sei sobre McNamara e à qual espero me equiparar é que, ao que consta, ele foi alguém que realmente cuidou bem do lado administrativo do banco." Wolfowitz nega que esteja buscando uma saída de uma guerra controversa. "Não faço idéia de por que ele foi ao banco. Sei que eu não estou indo para lá para escapar da controvérsia."


Tradução de Clara Allain


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