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COMENTÁRIO
Antes de ser "falcão", ele falava como Lula
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Antes de se transformar em
um dos maiores "falcões" da
Guerra do Iraque, Paul Wolfowitz, o secretário-adjunto da Defesa dos EUA que acaba de ser
apontado para a presidência do
Bird (Banco Mundial), pensava
sobre pobreza o mesmo que pensa e diz hoje o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Conforme lembra o editorial
publicado sexta-feira pelo "New
York Times", Wolfowitz era, em
seus tempos de Departamento de
Estado e embaixador na Indonésia, "um persuasivo comunicador
que chegou a escrever que segurança e pobreza estão conectadas
e que as soluções para os conflitos
globais não estão necessariamente nas armas, mas na redução da
pobreza e no desenvolvimento
econômico".
É exatamente a tese que Lula repete, uma e outra vez, nos foros
internacionais a que é chamado: a
guerra que quer travar é contra a
fome e a pobreza, com o que o
mundo se tornará mais seguro.
A questão a decifrar agora é
simples: o Wolfowitz indicado
para o Banco Mundial- cujo slogan é precisamente "um mundo
livre da pobreza"- é o "comunicador" incomodado com a pobreza ou o "falcão" que preferiu as armas no Iraque, ainda por cima
atuando unilateralmente?
Como é óbvio, o indicado prefere autodefinir-se pela primeira hipótese. Na sua primeira entrevista
após a indicação, nos escritórios
que ocupa no Pentágono, disse:
1) "Meu trabalho é tentar formar o mais forte consenso possível para fazer as coisas andarem".
Ou seja, unilateralismo nunca
mais, pelo menos na retórica.
2) "Antes de mais nada, preciso
preservar o compromisso [do
Banco Mundial] com a redução
da pobreza, que é um dos grandes
desafios morais de nosso tempo."
Juramentos desse tipo não comoveram, como era aliás previsível, os críticos do próprio Wolfowitz e da Guerra do Iraque, que se
confundem.
O jornal britânico "The Independent", que é talvez a mais nítida voz dos grupos de centro-esquerda, disparou: "Designação
aterrorizante" e "um insulto aos
pobres". O jornal aponta Wolfowitz como responsável por "alguns dos erros de julgamento
mais cruelmente chocantes".
Não deixa de ter certa razão: o
então subsecretário de Defesa foi
o responsável pela decisão de banir dos contratos para a reconstrução do Iraque empresas dos
países que não apoiaram a guerra.
Nada mais contrário ao espírito
de "forte consenso" que o futuro
presidente do Bird diz agora defender. Ainda mais considerando
que o negócio do banco é precisamente a cooperação para o desenvolvimento (ou para a reconstrução, no caso iraquiano ou afegão
ou, na América Latina, do Haiti).
A pergunta seguinte inevitável é
esta: na presidência do Banco
Mundial, Wolfowitz também selecionará os países que devem receber recursos com base na maior
ou menor adesão à política externa norte-americana? Ou usará o
banco como alavanca da chamada política de expansão da democracia, a menina-dos-olhos do governo que ainda integra?
Se o fizer, é muito provável que
o banco perca sentido, na medida
em que a maioria dos países que
utilizam esses recursos não são
democráticos.
Wolfowitz, como é natural, diz
que não será instrumento da política de Washington: "Não serei o
diretor-executivo norte-americano no banco, mas seu presidente", disse na primeira entrevista.
Outra questão vital sobre o seu
comportamento é essencialmente
ideológica. Os neocons (os neoconservadores norte-americanos) têm a tese, que não é de todo
incorreta, de que não adianta pôr
dinheiro em certos países pobres,
porque os recursos acabam em
contas secretas dos governantes.
Não se trata de uma opinião dita
em voz baixa. Quando era secretário do Tesouro, Paul O'Neill disse a frase em público, além de ter
causado constrangimento ao governo da época (Fernando Henrique Cardoso), ao afirmar que a
principal causa dos juros altos no
Brasil era a corrupção.
Para o Brasil, outro problema
relacionado à indicação de Wolfowitz está dado pela discussão
em surdina sobre quem deve receber os recursos do Banco Mundial: os países realmente pobres
ou também nações de renda média, como é o caso do Brasil?
Wolfowitz não entrou na discussão, mas, se se inclinar pelo
atendimento exclusivamente aos
muito pobres, o Brasil perderá
uma fonte valiosa -e relativamente barata- de financiamento
externo: em 2003, juntos, o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento desembolsaram US$ 2,38 bilhões em novos financiamentos (muito provavelmente, o BID será influenciado por uma guinada no Banco
Mundial).
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