São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Juros: deixem a palavra com o Banco Central

MAILSON DA NÓBREGA
A taxa de juros elevada que tem caracterizado a economia brasileira costuma servir para dois propósitos inteiramente dissociados da realidade que justifica sua adoção.
O primeiro é servir de base para pedidos de concordata preventiva. As empresas culpam a política econômica e/ou os juros altos pelo insucesso, nunca seus próprios erros.
Mudanças bruscas na política econômica, como a que ocorreu na reação à crise asiática, podem levar empresas a desequilíbrios superáveis com a concordata, mas são poucos os casos em que o fracasso não se explica por problemas gerenciais.
O segundo é permitir críticas de políticos e setores do governo ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central. Em período eleitoral como este, chovem informações "off the record" às colunas acusando a equipe econômica de "insensibilidade social".
Já vi esse filme várias vezes e imaginava que ele havia sido definitivamente banido da cena brasileira. Engano. Bastou aparecer uma crise para que ele voltasse às salas de projeção.
Tem-se visto desde as habituais fofocas e intrigas palacianas até a sofreguidão de autoridades que nada têm a ver com o assunto, mas aproveitam para prometer publicamente a queda de juros. É a eleição.
Ninguém tem dúvida de que os juros atuais constituem sério empecilho à retomada do crescimento. Se não baixarem, o Brasil perderá a oportunidade de explorar o seu imenso potencial de geração de bem-estar.
Os juros altos são a consequência mais dolorosa do regime fiscal doentio herdado da crise do Estado e das presepadas populistas da Constituição de 1988.
Para os que culpam a política cambial, a desvalorização seria o meio de restabelecer as condições para o crescimento e para a queda dos juros, sem risco de retorno da inflação. A tese é discutível e nenhum governo sério a assumiria no momento.
Nesses tempos de crise nos chamados mercados emergentes, a taxa de juros tem sido fundamental para preservar a conquista da estabilidade monetária, especialmente na América Latina.
No México e na Argentina, em 1995, a determinação das autoridades em elevar a taxa de juros gerou custos no curto prazo, mas contribuiu para defender a estabilidade, melhorar a situação do balanço de pagamentos e restaurar a confiança.
O Brasil tem sido elogiado pela maneira como reagiu às ameaças da crise. Vários relatórios de instituições multilaterais, bancos e empresas de análise de investimento realçam a coragem e a propriedade das medidas.
Os efeitos negativos na atividade econômica e no emprego são inequívocos, mas é preciso deixar de olhar apenas o lado desfavorável das medidas e considerar também o fato de elas terem permitido ao país preservar a estabilidade da moeda.
Infelizmente, sem reformas que mudem radicalmente a situação fiscal e antes que se restabeleça o grau de confiança prevalecente antes da crise, é difícil ver a taxa de juros declinar na velocidade demandada por políticos e empresários.
Dados os riscos que ainda estão no ar, um descuido poderia detonar uma fuga de capitais e o estancamento de novos fluxos de recursos externos, levando-nos a uma desvalorização descontrolada, de consequências imprevisíveis.
Estudo recente de Nathan Blanche e Roberto Padovani mostra que para retornar ao nível real prevalecente antes da crise a taxa nominal de juros deveria ser de 19% (28% atualmente).
Nas condições atuais, eles afirmam que o piso para a taxa básica de juros (TBC) é de 22% ao ano. Poder-se-ia reproduzir os juros reais anteriores à crise se o governo reduzisse a alíquota de Imposto de Renda sobre as aplicações financeiras, dos atuais 20% para 6,6%.
Essa alternativa é barata. Se fizer as contas, o governo pode concluir que a alíquota de 20% dá prejuízo. Diante das vinculações, o Tesouro fica com menos da metade da arrecadação, um valor menor do que o custo adicional dos juros. Politicamente, contudo, parece inviável mudar.
Haveria duas outras saídas para alcançar esse mesmo objetivo: reduzir o cupom cambial líquido para 7,1% ao ano ou diminuir o ritmo da desvalorização cambial para 5,2% ao ano. Qualquer das duas colocaria sob risco as contas externas e o Plano Real.
Solução fácil só existe nas declarações destituídas de conteúdo técnico. Quando feitas por pessoas ligadas ao governo, criam falsas esperanças. Nessa área, como acontece nos países sérios, seria melhor deixar a palavra ao Banco Central.


Mailson da Nóbrega, 55, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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