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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Política industrial contemporânea para o Brasil

LUCIANO COUTINHO

O paradigma de política industrial praticado até o início dos anos 80 era intensivo em proteção tarifária e em subsídios fiscais, complementados pela oferta de infra-estrutura em condições favorecidas. Nos anos 80 e 90, sob a égide da "globalização", esses instrumentos foram se tornando desfuncionais para os países desenvolvidos e para as grandes empresas transnacionais. Com o fim da Rodada Uruguai e a criação da OMC em substituição ao Gatt, o seu uso passou a ser contestado e cerceado pelos países industriais avançados, que, não obstante e farisaicamente, continuaram a utilizá-los de forma abusiva, notadamente no que toca à agricultura, às regiões deprimidas e aos setores ligados à defesa nacional.
A concepção, nos anos 80, de novos instrumentos de política industrial esteve calcada na idéia de que as políticas deveriam atuar de modo compatível e complementar aos mercados, prevenindo ou sanando as suas falhas. Para evitar, de outro lado, as "falhas do Estado", dever-se-ia minimizar o protecionismo e banir os mecanismos burocráticos discricionários e a falta de transparência. As políticas industriais deveriam, assim, praticar o fomento com horizonte temporal finito e definido, sob condições explícitas de custo-benefício, com publicidade e transparência. Da parte dos economistas keynesianos e shumpeterianos, houve uma reflexão mais madura, que reconheceu a pertinência das advertências dos liberais quanto às falhas do Estado. Os princípios da avaliação de custos, da transitoriedade da proteção e da transparência foram incorporados à concepção das políticas.
Simultaneamente, aprofundou-se a reflexão a respeito das falhas de mercado. Além da admissão das externalidades (positivas e negativas) e das falhas financeiras resultantes de assimetrias de informação, a agenda incorporou a incerteza, os riscos financeiros decorrentes de altas alavancagens, os riscos da inovação tecnológica, as economias dinâmicas de escala, os processos de aprendizado, as sinergias horizontais ("clusters"), as sinergias verticais ao longo de cadeias setoriais, as deficiências institucionais etc. À lista de questões microeconômicas foi, assim, adicionada uma nova agenda de desafios de natureza mesoeconômica e de coordenação de decisões entre agentes.
O fato de que os riscos financeiros, a intensidade de capital, o período de maturação dos projetos, as estruturas de mercado, a natureza das sinergias e das economias de escala-integração-aprendizado e a inovação são específicas em cada cadeia setorial requer que a política industrial tenha que ter -necessariamente- um recorte setorial integrado. Do ângulo microeconômico, é ainda imprescindível considerar os grupos privados e as suas estratégias. Nos setores de alta intensidade de capital e de alto risco, a política industrial precisa auxiliar na redução dos riscos. No caso dos segmentos sob o controle de grupos nacionais, a política deveria robustecê-los, habilitando-os a operar globalmente e a desenvolver núcleos endógenos de progresso tecnológico. As empresas líderes competitivas deveriam merecer atenção especial para que pudessem dar saltos sem perder a excelência de gestão e o desempenho inovacional. Há ainda na nova agenda, o desafio da promoção dos arranjos produtivos locais (política industrial regionalizada).
Aperfeiçoamentos institucionais, esquemas inovadores de redução de riscos financeiros, estruturação de engenharias de capitalização e financiamento, formas criativas de subsídio à pesquisa e ao desenvolvimento e a processos virtuosos de aprendizado e de acúmulo de sinergias constituem o cardápio desses instrumentos modernos, que passaram a ser intensamente praticados ao longo dos anos 90. Além disso, uma nova roupagem foi atribuída aos "velhos" instrumentos: o uso do poder de compra do Estado, a subvenção direta a projetos especiais e militares, a coordenação induzida do crédito e do mercado de capitais, o uso intenso dos instrumentos de defesa comercial.
A recriação da política industrial requer, em primeiro lugar, sua articulação com a política macroeconômica (de câmbio estimulante, juros os mais baixos possíveis). Segue-se a rápida construção dos novos instrumentos, o uso seletivo dos velhos, a redução (heterodoxa e transitória) dos custos de capital via BNDES e as reformas tributária e financeira. Há, ademais, os desafios da compatibilização da política industrial com outras políticas relevantes (de comércio exterior, tecnológica, regional) e de sua sintonização com uma regulação revigorada, indutora de investimentos nos setores de infra-estrutura.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).

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