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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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PÓS-GUERRA

Papéis iraquianos se valorizam até 150%; mercado se anima e já discute o futuro de dívida bilionária do país

Cresce apetite por títulos podres do Iraque

Lefteris Pitarakis - 12.abr.03/ Associtaed Press
Dinheiro iraquiano do regime de Saddam Hussein queimado e espalhado pelas rua de Bagdá, ocupadas pelas tropas dos EUA


ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Para os credores do Iraque, a mudança de regime no país representa a expectativa de que conseguirão recuperar, ao menos parcialmente, recursos que já davam como perdidos. Não por acaso, desde outubro passado, a pequena parcela da dívida iraquiana negociada em mercados secundários se valorizou cerca de 150%.
Não há cálculos precisos sobre o valor da dívida externa iraquiana. Mas diferentes estimativas convergem. A da Exotix, empresa britânica especializada em negociar títulos de países emergentes, é de US$ 116,5 bilhões de endividamento com credores comerciais e instituições internacionais. Há ainda cerca de US$ 200 bilhões em pedidos de indenização por danos provocados em guerras patrocinadas por Saddam Hussein.
Haverá perdão de toda essa dívida? Se não, quem será pago primeiro? Credores que não receberem parte do que lhes é devido se animarão a colocar dinheiro na reconstrução do Iraque?
Essas são as principais perguntas que têm inquietado credores, analistas e investidores nos últimos dias.
Na dúvida, os fundos agressivos, especializados em negociar títulos podres, foram às compras. A parcela da dívida iraquiana negociada no mercado é inferior a 5% do endividamento oficial total do país. Em parte, tratam-se de empréstimos sindicalizados contraídos na década de 80, durante a guerra com o Irã.
Os papéis dessa dívida sindicalizada que valiam menos de US$ 0,1 em outubro de 2002 eram negociados a US$ 0,25 na semana passada, segundo dados da Exotix.
De acordo com Peter Bartlett, diretor da empresa, o volume de negócios ainda é muito baixo: de US$ 2 milhões a US$ 3 milhões por semana.

Pós-guerra
Mas investidores têm encontrado motivação para apostar suas fichas na reestruturação e no posterior pagamento de parcela das dívidas. A primeira expectativa é que a nova administração iraquiana, já livre do embargo comercial que isolava o país, tentará participar novamente do mercado internacional.
Banqueiros argumentam que o governo iraquiano terá de demonstrar boa vontade para pagar ao menos parte da dívida documentada se pretende contrair novos empréstimos no futuro.
Certamente, novos empréstimos serão necessários. O Iraque é um país economicamente destruído. Em um estudo sobre as consequências econômicas do recente conflito, o economista William Nordhaus, da Universidade Yale, estima que as guerras contra o Irã e o Kuait e o posterior embargo comercial sofrido por mais de uma década custaram ao país cerca de duas décadas de PIB (Produto Interno Bruto) perdido.
Segundo Nordhaus, "não há paralelos na história moderna para uma devastação econômica nessa escala".
Não há estimativa precisa de quanto a reconstrução do país custará. As projeções do próprio Nordhaus variam de US$ 30 bilhões a mais de US$ 100 bilhões. Há economistas que acreditam que esse valor pode chegar a US$ 500 bilhões.
É improvável que o governo norte-americano -embora queira comandar a reconstrução do país- consiga arcar com o custo político de investir tanto dinheiro no Iraque. Afinal, ano que vem o presidente George W. Bush estará concorrendo, provavelmente, à reeleição.
O Iraque tem petróleo, e não é pouco. O país conta com a segunda maior reserva do mundo só perdendo para a Arábia Saudita. Mas será preciso muito dinheiro para colocar a indústria petrolífera do país nos eixos novamente.
Estudo do Conselho de Relações Exteriores e do Instituto Baker -Universidade Rice- ambos nos EUA, concluiu que o setor de petróleo iraquiano demandará US$ 5 bilhões em investimentos para voltar aos níveis de produção pré-1991. Para atingir a capacidade plena de produção, será necessária uma injeção de US$ 15 bilhões na indústria do país.
Portanto, de uma forma ou de outra, serão precisos volumosos investimentos. Provavelmente, parte dos recursos terá de vir de empréstimos. Isso sustenta a tese de que o novo governo iraquiano será forçado a assumir um compromisso de honrar parte das suas pendências.

Perdão
A outra alternativa seria o perdão de todas as dívidas. Segundo a economista Brigitte Granville, do The Royal Institute of International Affairs, prestigiada instituição britânica, é muito improvável que toda a dívida seja perdoada.
"Esse pode ser o desejo do Iraque. Pode ser também da vontade dos EUA que querem comandar a reconstrução e, individualmente, não são credores do país. Mas os credores de verdade já demonstraram que não aceitarão o cancelamento da dívida", diz Granville.
Para a especialista, o processo de negociação no pós-guerra poderá ser ainda mais diplomaticamente complicado do já foi a fase posterior ao conflito.
França e Rússia que se opuseram ao ataque ao Iraque estão, por exemplo, entre os credores individuais mais importantes do Iraque, ambos com dívidas estimadas em US$ 8 bilhões.
As instituições multilaterais, que têm US$ 1,1 bilhão a receber do Iraque, e os bancos comerciais, com recebíveis de US$ 2,6 bilhões, também serão casos que merecerão atenção.
Enquanto esses assuntos não são resolvidos, as apostas na valorização da dívida iraquiana no mercado secundário tendem a continuar.
Se houver perdão de toda a dívida, investidores que estão comprando esses papéis amargarão um golpe financeiro. Se houver reestruturação, terão comprado títulos que valiam pó e que poderão se valorizar bastante. A aposta é arriscada, mas, afinal, é disso que vivem os fundos de investimento agressivos.

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