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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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Antes das guerras, país era parceiro comercial do Brasil

LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Iraque foi um grande parceiro comercial do Brasil entre o final dos anos 70 e início da primeira Guerra do Golfo, em 1991. A construtora Mendes Júnior, por exemplo, construiu estradas de ferro e uma estação de bombeamento de águas naquele país de 1978 a 1990.
Com as guerras e dificuldades econômicas que acometeram o país, o governo de Saddam Hussein ficou devendo US$ 671,6 milhões à empresa. A Mendes Júnior afirma que o governo brasileiro aceitou pagar o passivo, via Banco do Brasil, mas que o valor não foi quitado.
"No final dos anos 70, cerca de 70% do petróleo que o Brasil importava vinha do Iraque. Eram por volta de 300 mil barris por dia", afirma Gleiber de Faria, 47, executivo responsável pela comunicação empresarial da Mendes Júnior. Ele morou no Iraque de 1984 a 1990.
O Iraque permitia ao Brasil garantir um maior equilíbrio da balança comercial, pois aquele país aceitava comprar produtos e contratava serviços brasileiros. Nos anos 80, o Iraque era um dos poucos países que não exigia garantia de crédito de bancos estrangeiros para contratos firmados com o Brasil.
O Itamaraty intermediou as negociações dos contratos da Mendes Júnior com o Iraque. "Depois de uma concorrência, ganhamos um contrato de US$ 1,3 bilhão para construir a ferrovia Bagdá-Akashat, de 553 quilômetros", afirmou Faria.

Obras
Cerca de 10 mil trabalhadores brasileiros da construtora foram para o Iraque. Escolas, dois hospitais, consultórios dentários, supermercados, clubes e cantinas foram construídos no deserto.
A Mendes Júnior assinou novo contrato de US$ 333 milhões em 1981 para a construção de 128 quilômetros da Expressway, ferrovia que vinha da fronteira com a Jordânia até a do Kuait. O Iraque, porém, começou a atrasar os pagamentos, por ter passado a concentrar seu orçamento na guerra contra o vizinho Irã.
"O então presidente João Figueiredo escreveu uma carta a Saddam Hussein pleiteando a solução das pendências", afirma Faria. A situação se agravou em 1987. A construtora suspendeu as obras e deu início ao processo de cobrança na Corte Internacional de Comércio, em Paris.
Saddam irritou-se. Exigiu que a Mendes Júnior retomasse as obras, ameaçando cortar o petróleo para o Brasil. "O governo brasileiro, via Banco do Brasil, assumiu então os créditos da Mendes Júnior com o Iraque", diz Faria.
Ou seja, o país receberia petróleo do Iraque, que descontaria os valores devidos do passivo a pagar ao Banco do Brasil. Mas Faria afirma que a construtora ainda não recebeu os cerca de US$ 421,6 milhões que tem a receber do Banco do Brasil.
Com a Guerra do Golfo, em 1991, a Mendes Júnior retirou todos seus funcionários do Iraque.

Vida feliz
Apesar das atribulações, Faria afirma ter sido feliz no Iraque. "Os iraquianos nos recebiam muito bem nas suas casas. Sempre havia um pôster do Zico ou do Pelé em uma loja."
O executivo diz que a Mendes Júnior aceitaria voltar a trabalhar no Iraque, após a invasão dos Estados Unidos. Isso, entretanto, parece difícil, pois os americanos já estão anunciando contratos firmados com construtoras de seu próprio país.
Faria nunca se encontrou com Saddam, mas manteve contato com o ministro do Comércio daquele país, Mohamad Saleh. "Ele visitou o estande da Mendes Júnior na Feira Internacional de Bagdá, em 1988."

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