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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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TIGRES RESFRIADOS

Investimentos começam a migrar para América Latina

Freada dos EUA, guerra e pneumonia debilitam Ásia

DA REPORTAGEM LOCAL

A combinação entre desaceleração econômica nos Estados Unidos, pneumonia asiática e guerra no Iraque tem sido um balde de água fria para os países emergentes da Ásia. Indicadores econômicos da região começam a dar sinais de enfraquecimento. E reduções das estimativas de crescimento dos principais países asiáticos em 2003 têm ocorrido em cascata.
Por enquanto, os problemas dos países emergentes da Ásia têm contribuído para a euforia de seus pares latino-americanos.
O fluxo de investimentos de curto prazo que sustentava, até recentemente, um boom nos mercados financeiros asiáticos começa a ser desviado para a América Latina, principalmente rumo ao Brasil e à Argentina.
Um sinal disso é o comportamento das Bolsas de Valores das duas regiões. Há cerca de um ano, a maior parte dos mercados de ações emergentes da Ásia registravam forte valorização em dólar. Ao mesmo tempo, as Bolsas da América Latina derretiam ou na melhor das hipóteses estavam no zero a zero.
Hoje ocorre o inverso. Bolsas importantes como as de Coréia do Sul, Hong Kong e Cingapura acumulavam, até o último dia 15, quedas anuais em dólar de 6,1%, 7,4% e 6,2%, respectivamente.
No mesmo período, os mercados de ações de Brasil e Argentina subiam 21,5% e 28% em dólar.
"É bastante possível que esteja havendo um movimento de realocação. Os investidores vão para os mercados emergentes em busca de altos retornos. E as chances de retorno na América Latina agora são maiores", afirma Misham Hing, analista do Citigroup em Nova York.

Dependência dos EUA
Dos dois lados há exceções. A Bolsa de Valores da Tailândia, por exemplo, ainda sustentava alta anual de 8% em dólar até 15 de abril. Há um ano, no entanto, esse mesmo mercado exibia valorização bem mais forte, de 31,2%.
Já a Bolsa mexicana apresentava modesta elevação de 1,6% em dólar neste ano até meados de abril.
Mas o fato de o mercado mexicano estar seguindo na mesma direção que o asiático está longe de ser mera coincidência. Isso reflete a forte dependência que os dois mercados têm da abalada economia norte-americana.
"Os países da Ásia, como o México, têm o destino de suas exportações muito concentrado nos EUA. No caso da Ásia, parcela significativa dos produtos com alto valor agregado vão para o mercado americano", afirma Yusuke Horiguchi, diretor do prestigiado IIF (The Institute of International Finance) e ex-diretor do Departamento de Ásia do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Queda das importações para os EUA já começa a contribuir negativamente para o setor industrial de alguns países asiáticos. É o caso de Cingapura, onde o indicador de produção industrial despencou de 13,5% (acumulado em 12 meses) em janeiro deste ano para -1,4% em fevereiro passado.
Além disso, os preços mais altos do petróleo por conta da guerra no Iraque também chegaram a pressionar a inflação em países como a Coréia do Sul.

Epidemia
O IIF-assim como vários bancos que o instituto representa- deverá reduzir sua estimativa de crescimento para os países emergentes asiáticos de 6% para algo em torno de 5,25% este ano.
Segundo Horiguchi, a epidemia de pneumonia asiática -que estourou na China e em Hong Kong no mês passado- também ameaça as economias da região.
O principal setor afetado, nesse caso, é o de serviços turísticos- que respondem por algo entre 3% e 4% do PIB (Produto Interno Bruto) da região.
Companhias aéreas já têm acusado o golpe da forte queda no número de passageiros. Esse é só o primeiro estágio de uma contração que tem atingido hotéis, restaurantes e vendas no comércio.
Segunda a penúltima edição da revista britânica "The Economist", grupos industriais afirmam que as vendas no varejo despencaram 50% desde a explosão da pneumonia asiática.
"Os países mais afetados pela pneumonia são Cingapura e Hong Kong", afirma Horiguchi.
Por causa da epidemia, instituições como o Morgan Stanley e o ING anunciaram na última semana reduções significativas nas suas expectativas de crescimento para a Ásia em 2003.
O principal risco, alertam analistas, é o de contágio econômico. Os países do Sudeste asiático- principais emergentes da região-formam um bloco econômico bastante interdependente.
A China, por exemplo, vinha sendo responsável nos últimos anos por um crescente número de turistas que circulam pela região.
Com isso, há chances de que problemas econômicos em um país acabem redundando, por meio de canais comerciais ou financeiros, em problemas também para seus vizinhos.

Estabilidade
O economista Paulo Leme, diretor de pesquisa para países emergentes do Goldman Sachs, argumenta que, embora um pouco abaladas, as economias da Ásia continuam muito fortes.
"Não acho que dá para dizer que a situação na Ásia esteja se deteriorando. Na verdade, como um todo, a região terá crescimento praticamente estável este ano. E essa estabilidade acontece com taxas de expansão ainda muito altas", diz Leme.
O país que deverá ser, segundo o Goldman Sachs, bastante afetado pela pneumonia asiática é Hong Kong. O banco reviu sua estimativa de expansão do país de 3% para 1,7%.
Mesmo que a desaceleração asiática seja pequena, os problemas da região já levam analistas a temer sua piora com sérias consequências para a economia global.
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, lembra que os países da Ásia são os principais financiadores do gigantesco déficit em conta corrente (que contabiliza transações do país com o exterior) dos EUA. O motivo que leva os asiáticos a investirem maciçamente em ativos norte-americanos é simples: temem que a desvalorização do dólar prejudique suas exportações.

Déficit dos EUA
Belluzzo lembra, no entanto, que esse apetite vem caindo. O risco disso é que, caso os EUA tenham problemas para financiar seus gastos, a taxa de juros no país acabe subindo para tornar o país mais atrativo para investidores.
Horiguchi acha difícil que os países asiáticos deixem de se esforçar para que o dólar não se desvalorize demasiadamente.
Mas isso vai depender da situação econômica da região no futuro. Por enquanto, um de seus principais motores, a China, continua apresentando taxas expressivas de crescimento. O mesmo não pode ser dito, no entanto, do Japão, outro país importante para a Ásia, cujas perspectivas econômicas pioram a cada dia.(ÉRICA FRAGA)

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