São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Máquinas e títulos públicos

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Vou reproduzir para meu leitor a notícia que saiu ontem no site da Bloomberg. Não são minhas as palavras, mas as da equipe do meio mais importante de comunicação do mercado financeiro mundial.
"Juros crescentes no Brasil estão encorajando as empresas a comprar títulos públicos com juros elevados, em vez de máquinas e equipamentos, ameaçando reduzir o ritmo de crescimento econômico mais do que a política do Banco Central deseja."
No restante da reportagem, a equipe da Bloomberg detalha uma série de decisões tomadas por empresas brasileiras de interromper planos de investimentos e preferir os lucros criados pelos juros elevados. O texto traz, também, uma declaração do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, na qual diz duvidar de que isso esteja ocorrendo. Alguém está mentindo nessa história. Nos próximos meses, teremos a resposta para esse conflito.
A recente decisão do Copom, de aumentar mais uma vez os juros Selic, caiu como uma bomba no setor empresarial brasileiro. Esperava-se uma pausa na aplicação desse torniquete terrível, que faz do Brasil o campeão mundial dos juros reais. Afinal, as projeções de inflação para os meses finais de 2005 já apontam para uma desaceleração importante. O economista que me assessora na Quest trabalha com uma inflação de 4,5% anuais, no último trimestre deste ano.
Se ele estiver certo, entraremos em 2006 com uma inflação pouco acima da meta fixada pelo Banco Central. Uma grande vitória, dirão os membros do Copom. Uma vitória de Pirro, diria eu. Um possível desastre político para a campanha da reeleição do presidente Lula, dirão os analistas políticos mais perspicazes, dentro de algumas semanas.
A credibilidade do Banco Central terá sido restaurada à custa da interrupção de uma onda bem-vinda de investimentos privados e de uma taxa de câmbio irrealista e perigosa. A primeira vai postergar nosso futuro promissor. A segunda nos promete uma nova onda inflacionária quando o valor do real se normalizar nos mercados de câmbio.
Vou pintar, para meu leitor, um quadro de tintas negras para o ano que vem em razão de tudo isso. As primeiras linhas dessa pintura vêm do lado do investimento. As empresas brasileiras tiveram um ano extraordinário, com lucros elevados e uma geração de caixa de fazer inveja a qualquer empresa mundial. Com a capacidade produtiva próxima do limite, a compra de equipamentos, a contratação de obras civis e o aumento do emprego seriam forças poderosas a fazer nosso Produto Interno Bruto crescer. Trocando tudo isso por títulos públicos, como sugere o texto da Bloomberg, um pedaço do crescimento, do próximo ano, terá ido pelo ralo.
Com o pincel do câmbio, podemos mostrar uma queda importante das exportações, um aumento das importações supérfluas e o crescimento das remessas financeiras. Tudo isso na direção oposta ao cenário virtuoso que muitos esperavam. Uma outra figura tenebrosa pode ser pintada do lado da inflação. Como a valorização do real está sendo alimentada pela entrada de capitais especulativos, na sua grande maioria via derivativos financeiros negociados no exterior, uma volta a uma taxa de câmbio de R$ 2,90, na esteira da saída desses recursos, representaria um choque de mais de 20% no câmbio. Seu repasse aos preços provocaria uma alta imediata em grande número de produtos de consumo.
Uma terceira força que tem sustentado o crescimento econômico deste ano, o financiamento a prazo de bens duráveis, também deve perder dinamismo, ao longo dos próximos meses. A ampliação dos prazos do crédito ao consumo, mecanismo que tem amortecido o impacto dos juros, também deve esgotar-se. O aumento da inadimplência, que sempre ocorre no fim desse ciclo de expansão, também vai reduzir o crescimento da oferta de credito no mercado.
Sem investimentos, com queda no saldo comercial e redução do consumo, como vai crescer o PIB em 2006? Mas a meta de inflação poderá ser alcançada, pela primeira vez, em muitos anos. Será que essa troca vale a pena?


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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