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OPINIÃO ECONÔMICA
Máquinas e títulos públicos
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Vou reproduzir para meu
leitor a notícia que saiu ontem no site da Bloomberg. Não
são minhas as palavras, mas as
da equipe do meio mais importante de comunicação do mercado financeiro mundial.
"Juros crescentes no Brasil estão encorajando as empresas a
comprar títulos públicos com juros elevados, em vez de máquinas e equipamentos, ameaçando
reduzir o ritmo de crescimento
econômico mais do que a política
do Banco Central deseja."
No restante da reportagem, a
equipe da Bloomberg detalha
uma série de decisões tomadas
por empresas brasileiras de interromper planos de investimentos e preferir os lucros criados pelos juros elevados. O texto traz,
também, uma declaração do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, na qual diz duvidar
de que isso esteja ocorrendo. Alguém está mentindo nessa história. Nos próximos meses, teremos
a resposta para esse conflito.
A recente decisão do Copom,
de aumentar mais uma vez os juros Selic, caiu como uma bomba
no setor empresarial brasileiro.
Esperava-se uma pausa na aplicação desse torniquete terrível,
que faz do Brasil o campeão
mundial dos juros reais. Afinal,
as projeções de inflação para os
meses finais de 2005 já apontam
para uma desaceleração importante. O economista que me assessora na Quest trabalha com
uma inflação de 4,5% anuais, no
último trimestre deste ano.
Se ele estiver certo, entraremos
em 2006 com uma inflação pouco acima da meta fixada pelo
Banco Central. Uma grande vitória, dirão os membros do Copom. Uma vitória de Pirro, diria
eu. Um possível desastre político
para a campanha da reeleição
do presidente Lula, dirão os analistas políticos mais perspicazes,
dentro de algumas semanas.
A credibilidade do Banco Central terá sido restaurada à custa
da interrupção de uma onda
bem-vinda de investimentos privados e de uma taxa de câmbio
irrealista e perigosa. A primeira
vai postergar nosso futuro promissor. A segunda nos promete
uma nova onda inflacionária
quando o valor do real se normalizar nos mercados de câmbio.
Vou pintar, para meu leitor,
um quadro de tintas negras para
o ano que vem em razão de tudo
isso. As primeiras linhas dessa
pintura vêm do lado do investimento. As empresas brasileiras
tiveram um ano extraordinário,
com lucros elevados e uma geração de caixa de fazer inveja a
qualquer empresa mundial.
Com a capacidade produtiva
próxima do limite, a compra de
equipamentos, a contratação de
obras civis e o aumento do emprego seriam forças poderosas a
fazer nosso Produto Interno Bruto crescer. Trocando tudo isso
por títulos públicos, como sugere
o texto da Bloomberg, um pedaço do crescimento, do próximo
ano, terá ido pelo ralo.
Com o pincel do câmbio, podemos mostrar uma queda importante das exportações, um aumento das importações supérfluas e o crescimento das remessas financeiras. Tudo isso na direção oposta ao cenário virtuoso
que muitos esperavam. Uma outra figura tenebrosa pode ser pintada do lado da inflação. Como a
valorização do real está sendo
alimentada pela entrada de capitais especulativos, na sua grande maioria via derivativos financeiros negociados no exterior,
uma volta a uma taxa de câmbio
de R$ 2,90, na esteira da saída
desses recursos, representaria
um choque de mais de 20% no
câmbio. Seu repasse aos preços
provocaria uma alta imediata
em grande número de produtos
de consumo.
Uma terceira força que tem
sustentado o crescimento econômico deste ano, o financiamento
a prazo de bens duráveis, também deve perder dinamismo, ao
longo dos próximos meses. A ampliação dos prazos do crédito ao
consumo, mecanismo que tem
amortecido o impacto dos juros,
também deve esgotar-se. O aumento da inadimplência, que
sempre ocorre no fim desse ciclo
de expansão, também vai reduzir o crescimento da oferta de
credito no mercado.
Sem investimentos, com queda
no saldo comercial e redução do
consumo, como vai crescer o PIB
em 2006? Mas a meta de inflação
poderá ser alcançada, pela primeira vez, em muitos anos. Será
que essa troca vale a pena?
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62,
engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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