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ARTIGO
EUA evitam novo choque do petróleo
MARTIN WOLF
Quem tem medo de um choque do petróleo? Quase ninguém, parece ser a resposta. Existem diversas razões para esse estado de bem-aventurança. Mas
entre as mais significativas está o
fato de que são os Estados Unidos,
e não países em desenvolvimento
relativamente frágeis, que vêm
absorvendo os empréstimos desta vez. Isso tornou muito mais fácil para a economia mundial superar o choque atual, se comparado aos anteriores.
O choque em si é bastante grande, como demonstra o mais recente "Panorama Econômico
Mundial" do FMI (Fundo Monetário Internacional). Entre 2002 e
2005, as exportações líquidas de
petróleo dos países exportadores
de combustíveis subiram em US$
437 bilhões, a valores de 2005 para
o dólar, ante US$ 436 bilhões entre 1973 e 1981. Mas a economia
mundial cresceu, de lá para cá. A
ampliação no valor líquido das
exportações de petróleo desses
países representava 1,9% do produto mundial bruto, entre 1973 e
1981, e 1,2% entre 2002 e 2005.
Essa não é a única diferença.
Como aponta o "Panorama", "no
passado as contas correntes tendiam a se ajustar de maneira relativamente rápida aos choques de
petróleo, já que preços mais altos
para a energia geravam taxas de
juros mais altas, desaceleração no
crescimento e na demanda doméstica e mudanças nas taxas de
câmbio e nos preços dos ativos.
Dessa vez, em parte devido ao
avanço das estruturas monetárias, o crescimento e a inflação foram menores do que no passado,
enquanto a integração financeira
mais profunda pode facilitar a
persistência de déficits".
Qual deverá ser a persistência,
portanto, do atual padrão de superávits e déficits em conta corrente? Isso suscita quatro questões adicionais. Por quanto tempo os preços do petróleo se manterão elevados? Quanto tempo demorará para que os exportadores
gastem as receitas adicionais? Onde está ocorrendo a captação
compensatória? Por quanto tempo essa captação será sustentada?
As altas de preços dos anos 70
não persistiram. Mas foi preciso
mais que uma década, depois do
primeiro choque do petróleo, para que os preços caíssem de maneira substancial. Em dólares de
2005 (e usando o índice de preços
ao consumidor dos Estados Unidos como deflator), o preço do
petróleo era de US$ 12,85 em setembro de 1973, chegou a US$
47,32 em janeiro de 1974, bateu
nos US$ 99,68 em novembro de
1979 e caiu a US$ 46,71 em junho
de 1985. O preço veio enfim a cair
acentuadamente, para US$ 17,20,
em julho de 1986.
Ao longo de um quarto de século, a alta de preços dos anos 70 foi
completamente revertida, ainda
que por curto período, e parte significativa dessa reversão estava
concluída na metade dos anos 80.
Boa parte do aumento recente
de preços deve durar por anos,
ainda que não para sempre. Com
que rapidez, portanto, a receita
adicional dos países exportadores
será gasta? Entre 2003 e 2005,
membros da Opep (Organização
dos Países Exportadores de Petróleo) gastaram 24% de sua receita
anual com o petróleo em importações, ante 52% da receita adicional gerada entre 1973 e 1975 e 42%
da receita adicional gerada entre
1978 e 1981. Com base em uma
análise econômica mais sofisticada, porém, o "Panorama" conclui
que os membros da Opep estão
gastando apenas um pouco menos do que se poderia esperar
com base em seu comportamento
passado, enquanto os países árabes do Golfo Pérsico demonstram
cautela muito maior, dessa vez.
Determinar até que ponto a receita adicional será permanente
deve influir decisivamente na determinação da velocidade com
que será gasta. Os exportadores
de petróleo erraram espetacularmente quanto a isso nos anos 80.
Precisam se preocupar em não repetir esse erro. No momento, porém, eles têm em mãos um aumento de US$ 40 trilhões em suas
reservas, comparado a estimativas de 1999. Se essa situação se
sustentar (o que é bastante improvável), a receita permanente
desses países poderia crescer em
US$ 1,2 trilhão ao ano.
Agora consideremos o padrão
dos déficits em conta corrente.
Aqui, os contrastes são notáveis.
Nos anos 70, os países avançados não ocupavam posição significativa na captação de crédito,
como um grupo, a despeito de
seus grandes déficits no comércio
de petróleo. Dessa vez, os países
avançados, excetuados os Estados
Unidos, detêm um substancial superávit agregado em conta corrente. Entre 2002 e 2005, os superávits agregados desses países, excluído o comércio de petróleo, subiram em pouco mais de 0,4% do
valor combinado de seus PIBs, o
que quase compensou o déficit
adicional sofrido com o petróleo.
Nos anos 70, os países em desenvolvimento não exportadores
de petróleo operavam com imensos déficits em conta corrente.
Foi neles que a "reciclagem", como então se dizia, dos petrodólares terminou concentrada. Em última análise, a tendência se provou desastrosa, e o resultado foi a
crise mundial da dívida dos países
em desenvolvimento, no começo
dos anos 80. Dessa vez, porém, esses países acumulam déficits
agregados em conta corrente bem
menores e é muito menos provável que encontrem dificuldades
sérias devido ao seu endividamento.
Entre os países em desenvolvimento, o desempenho da China
se destaca: se o saldo do comércio
petroleiro do gigante em ascensão
tivesse se mantido inalterado entre 2002 e 2005, o superávit do
país em conta corrente teria sido
não de 6% do PIB, mas de 8,5%.
Dessa vez, os Estados Unidos é
que respondem pela maior parte
da captação. Entre 2002 e 2005, o
déficit do país em conta corrente
cresceu em 1,6% do PIB, enquanto seu déficit no comércio de petróleo subia em mais de 0,9% do
PIB. Que eles sejam abençoados
por essa captação, pois é ela que
mantém o mundo funcionando.
Quando os países exportadores
de petróleo estão tentando acumular posições favoráveis com
relação ao resto do mundo, como
agora, é bom que os fornecedores
dominantes dessas posições não
sejam países em desenvolvimento, importadores de petróleo e
com problemas de crédito, mas
sim os Estados Unidos.
Trata-se de uma grande melhora com relação aos anos 70. Além
disso, porque os preços elevados
do petróleo precisam gerar déficits mais elevados nos países importadores de petróleo, a dimensão sustentável dos déficits em
conta corrente e do acúmulo de
passivos pelos Estados Unidos subiu. A presunção de que os déficits norte-americanos precisam
cair drasticamente faz menos sentido em nosso mundo posterior
ao choque do petróleo.
Mas, como sugere o recente tumulto nos mercados, nem os Estados Unidos conseguem carregar tamanho peso para sempre.
Outros países cuja situação de
crédito é favorável deveriam arcar
com parte da carga.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times", jornal em que este artigo foi originalmente publicado.
Tradução de Paulo Migliacci
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