São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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MERCADOS TENSOS
"Não aconteceu nada', diz o presidente, para quem o país "não tem fragilidades" que justifiquem temor
Para FHC, queda da Bolsa foi normal

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Genebra

A Bolsa de Valores de São Paulo sofreu, anteontem, a maior queda do ano até agora. Mas, vista de Genebra, "não aconteceu nada".
Palavra do presidente Fernando Henrique Cardoso, que jura não ter perdido o sono por conta da queda da Bolsa, manchete comum aos principais jornais brasileiros.
"Bolsa sobe e desce todo dia e não se deve confundir esse problema com uma situação mais séria", minimizou FHC.
O presidente acha que só haveria motivos para perder o sono se o país "tivesse fragilidades". Usou como argumento para demonstrar a inexistência delas o fato de a cotação do dólar não ter se alterado apesar da queda da Bolsa.

"Esqueletos"
A Folha quis saber se os déficits externo e fiscal não eram "fragilidades".
FHC usou como resposta o caso da Itália, que também tem um formidável déficit, e completou:
"No caso do Brasil, estamos colocando à mesa os esqueletos existentes".
Os "esqueletos" seriam:
1 - O déficit da Previdência, "que não foi criado pela ação do governo, mas pela sociedade".
2 - A necessidade de "sanear os bancos, o que aumenta o déficit".
A seu lado, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, não se animou a dizer que dormira tão tranquilamente quanto FHC.
Contou que ficara acompanhando, pelo telefone celular, a evolução da situação na Rússia e seus reflexos sobre o Brasil, em busca de explicações consistentes para o que houvera em Moscou.

O contágio
Malan tem um teorema elaborado para explicar porque problemas econômicos em um país contagiam outros, distantes e aparentemente muito diferentes, como Brasil e Rússia.
O ministro volta a 1992, para lembrar o momento em que a libra esterlina, a moeda britânica, foi atacada por especuladores. O ministro de turno garantiu que a libra não seria desvalorizada, mas acabou sendo forçado a ceder.
"Quem ficou desmoralizado foi o ministro, que pediu demissão, mas os mercados acharam que a Inglaterra continuava confiável, pela solidez de suas instituições", rememora Malan.
Depois, salta para o México de 1994. O país tentou fazer uma desvalorização controlada do peso, mas foi atropelado.
"Nesse caso, o descrédito foi para o país e também para seus vizinhos, porque o mercado vê as instituições como mais precárias nos países em desenvolvimento", fecha o raciocínio.

Problemas russos
No caso da Rússia e do contágio no Brasil, ocorreu mais ou menos a mesma coisa. "A Rússia, além da bomba atômica, tem dificuldades político-institucionais, como o demonstrou a demora na aprovação do novo primeiro-ministro indicado pelo presidente", diz Malan.
É natural, portanto, que os mercados fiquem nervosos e "busquem uma fuga para a qualidade, que afeta todo mundo".
Nesse cenário, não adianta muito o esforço que a equipe econômica vem fazendo para, primeiro, demonstrar que o Brasil não era o México, depois que não era a Tailândia e, agora, que não é a Rússia.
"Não se passa a ser confiável por um ato de vontade unilateral ou por decreto", conforma-se Malan.
Mas tanto ele quanto o presidente da República acham que o Brasil tem "ativos" suficientes para dar um salto de qualidade.
Ativos que são políticos, como a consolidação da democracia e a ausência de conflitos fronteiriços ou étnicos, mas também econômicos.
Neste capítulo, ambos citaram o fato de que foi mantida a privatização da Telebrás. FHC aposta que não haverá queda no valor da empresa:
"Quem vai investir nas teles não está pensando na Bolsa, mas em retorno a médio e longo prazo", imagina o presidente.



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