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OPINIÃO ECONÔMICA
O esgotamento da cópia
ANTONIO BARROS DE CASTRO
No mundo de economias nacionais relativamente autônomas e protegidas, a industrialização dos países que haviam ficado para trás -os chamados retardatários- era uma questão de
cópia. Melhor dito, de conseguir
copiar. Na provocativa frase de
Marx (desafiando os alemães), os
países mais adiantados mostram
aos mais atrasados a imagem de
seu próprio futuro.
Que é, no caso, copiar? Essencialmente se trata de construir capacidade produtiva tecnicamente
atualizada. Importantes questões
são omitidas nessa perspectiva.
Entre elas as funções do empreendedor e da própria empresa.
Construída a capacidade a partir
de um bom projeto, supunha-se, a
própria experiência se encarregaria de formar líderes empresariais
e gerentes.
Não sendo importante o empreendedorismo, o que contava
era promover a acumulação. E isso podia ser feito a partir do governo, de outras instituições públicas (inclusive empresas do Estado) ou mesmo a partir da emulação procedente de partidos políticos. Myrdal dizia que a União
Soviética crescia "por campanhas". No caso francês do pós-guerra, o Planejamento Indicativo conciliava democracia, visão
de futuro e estímulos vários para
a recuperação do atraso acumulado pelo país.
Esse mundo duplamente desapareceu.
O protecionismo é hoje utilizado
mais para preservar o passado
(europeu, japonês ou norte-americano) que para construir o futuro dos países ainda atrasados. As
exceções, China e Índia, são a tal
ponto idiossincráticas que raramente chegam a ser referidas.
Por outro lado, a competição
vai se acirrando por toda parte:
porque os custos de busca e experimentação baixam sem cessar,
porque é cada vez mais fácil imitar e porque as fábricas vão se tornando mais transportáveis ("footloose").
Nesse (outro) mundo, é menos
importante (meramente) ter ou
criar capacidade. A imensa acumulação feita na base do sistema
industrial soviético foi rapidamente varrida do mapa.
E é nesse mundo que a capacidade produtiva industrial brasileira passou pelo teste da abertura, ocorrida nos anos 90. Isso deve
ser considerado, daqui por diante,
um ponto de partida, a partir do
qual duas grandes questões devem ser avaliadas e enfrentadas.
Primeiramente, reconheçamos,
é preciso superar o regime de
"stop and go" (com muito mais
"stop" do que "go") a que essa
economia vem sendo submetida
há pelo menos 21 anos. Caso contrário, o seu potencial de crescimento permanecerá indefinidamente contido.
Além disso, seria preciso superar, amplamente, a prática da cópia -com que foi construída e,
recentemente, reconstruída a nossa capacidade produtiva. Ter apenas musculatura manufatureira é
pouco no mundo hipercompetitivo de hoje. É restringir-se à vala
comum de mercados saturados,
no exterior, e cada vez mais disputados, no plano doméstico. Em
suma, pouco permite crescer e
praticamente impede o pagamento de bons salários.
Insisto: capacidade produtiva
hoje é pouco. O equivalente funcional da proteção -que no passado era providenciada pelos poderes públicos- deve agora ser
conquistado por meio de funções
empresariais, outras que não a
mera fabricação. A empresa que
não fizer isso, acossada pela competição, vai querer "proteger-se"
no salário baixo ou no favor do
Estado. E pouco proveito poderá
tirar das exportações, num mundo em que cresce e se desvaloriza,
rapidamente, a aptidão para
(meramente) copiar.
Mas essa ponderação nos leva
ao limiar de novas questões. Muito já se disse acerca das políticas
destinadas a induzir a construção
e a utilização de capacidade produtiva. Pouco se sabe sobre as possibilidades de apoio à busca, por
parte das empresas, de identidades diferenciadas.
Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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