São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

O esgotamento da cópia

ANTONIO BARROS DE CASTRO

No mundo de economias nacionais relativamente autônomas e protegidas, a industrialização dos países que haviam ficado para trás -os chamados retardatários- era uma questão de cópia. Melhor dito, de conseguir copiar. Na provocativa frase de Marx (desafiando os alemães), os países mais adiantados mostram aos mais atrasados a imagem de seu próprio futuro.
Que é, no caso, copiar? Essencialmente se trata de construir capacidade produtiva tecnicamente atualizada. Importantes questões são omitidas nessa perspectiva. Entre elas as funções do empreendedor e da própria empresa. Construída a capacidade a partir de um bom projeto, supunha-se, a própria experiência se encarregaria de formar líderes empresariais e gerentes.
Não sendo importante o empreendedorismo, o que contava era promover a acumulação. E isso podia ser feito a partir do governo, de outras instituições públicas (inclusive empresas do Estado) ou mesmo a partir da emulação procedente de partidos políticos. Myrdal dizia que a União Soviética crescia "por campanhas". No caso francês do pós-guerra, o Planejamento Indicativo conciliava democracia, visão de futuro e estímulos vários para a recuperação do atraso acumulado pelo país.
Esse mundo duplamente desapareceu.
O protecionismo é hoje utilizado mais para preservar o passado (europeu, japonês ou norte-americano) que para construir o futuro dos países ainda atrasados. As exceções, China e Índia, são a tal ponto idiossincráticas que raramente chegam a ser referidas.
Por outro lado, a competição vai se acirrando por toda parte: porque os custos de busca e experimentação baixam sem cessar, porque é cada vez mais fácil imitar e porque as fábricas vão se tornando mais transportáveis ("footloose").
Nesse (outro) mundo, é menos importante (meramente) ter ou criar capacidade. A imensa acumulação feita na base do sistema industrial soviético foi rapidamente varrida do mapa.
E é nesse mundo que a capacidade produtiva industrial brasileira passou pelo teste da abertura, ocorrida nos anos 90. Isso deve ser considerado, daqui por diante, um ponto de partida, a partir do qual duas grandes questões devem ser avaliadas e enfrentadas.
Primeiramente, reconheçamos, é preciso superar o regime de "stop and go" (com muito mais "stop" do que "go") a que essa economia vem sendo submetida há pelo menos 21 anos. Caso contrário, o seu potencial de crescimento permanecerá indefinidamente contido.
Além disso, seria preciso superar, amplamente, a prática da cópia -com que foi construída e, recentemente, reconstruída a nossa capacidade produtiva. Ter apenas musculatura manufatureira é pouco no mundo hipercompetitivo de hoje. É restringir-se à vala comum de mercados saturados, no exterior, e cada vez mais disputados, no plano doméstico. Em suma, pouco permite crescer e praticamente impede o pagamento de bons salários.
Insisto: capacidade produtiva hoje é pouco. O equivalente funcional da proteção -que no passado era providenciada pelos poderes públicos- deve agora ser conquistado por meio de funções empresariais, outras que não a mera fabricação. A empresa que não fizer isso, acossada pela competição, vai querer "proteger-se" no salário baixo ou no favor do Estado. E pouco proveito poderá tirar das exportações, num mundo em que cresce e se desvaloriza, rapidamente, a aptidão para (meramente) copiar.
Mas essa ponderação nos leva ao limiar de novas questões. Muito já se disse acerca das políticas destinadas a induzir a construção e a utilização de capacidade produtiva. Pouco se sabe sobre as possibilidades de apoio à busca, por parte das empresas, de identidades diferenciadas.


Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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