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Como o presidente Itamar
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
A segunda grande crise política do governo Lula está levando ao seu término 18 meses
antes que ele acabe formalmente.
Nesse tempo que resta, só é possível esperar que o governo procure
evitar o pior, atacando as causas
imediatas da crise, que estão relacionadas com um esquema de
apoio a "partidos de negócios".
Governar mesmo, dar novas definições aos destinos da nação, fazer reformas, promover o desenvolvimento e a justiça social dificilmente lhe será ainda possível.
O governo não terá condições,
principalmente, de atacar a origem mais profunda dessa mesma
crise: sua infidelidade aos princípios que orientaram o PT desde
sua fundação. Clóvis Rossi publicou nesta Folha (11/06) uma lista
impressionante de frases do presidente Lula anteriores a sua eleição. Algumas constituíam pura
irresponsabilidade, como a tese
de não pagar a dívida externa,
mas outras, referentes à possibilidade de baixar os juros básicos do
Banco Central (Selic), eram realistas e necessárias. Entretanto o
que se viu na prática foi uma política de juros mais radical, mais
"ortodoxa" do que a do governo
anterior.
O reconhecimento da existência
de um nível de taxa de juros Selic
abusivo como o grande problema
econômico do Brasil, e a decisão
de mudá-la de patamar, foi primeiro descartada pelo governo
porque havia uma crise de confiança no momento da posse. Depois, superada a crise de confiança graças a uma acertada política
de ajuste fiscal e de respeito aos
contratos, essa mudança continuou descartada porque faltou
coragem para enfrentar os mercados financeiros nacionais e internacionais. Em um terceiro momento, a mudança continuou
afastada porque o crescimento de
5% em 2004 deixou o governo eufórico e levou-o à afirmação inconseqüente de que essa taxa confirmava o bom rumo de sua política econômica.
Agora, o governo se vê paralisado pela sua incapacidade de ser
fiel a seus próprios princípios e pela confusão entre o patrimônio
público e o privado, que a traição
a esses princípios facilita. Afinal,
quando se perde um projeto de
governo, o que sobra é apenas um
projeto de poder. E, no entanto, a
única política econômica que poderia restabelecer a credibilidade
do governo e fazer o país retomar
o desenvolvimento é a da baixa
da taxa de juros Selic (que não
deve ser confundida com a taxa
de mercado) para um nível civilizado. Da mesma forma que a alta
inflação, entre 1980 e 1994, era o
sinal de que vivíamos em tempos
anormais, o flagelo que hoje atinge a economia brasileira é representado por um nível da Selic oscilando entre 9% e 13% reais. Esse
nível de taxa de juros básica,
além de inviabilizar investimentos e destruir as finanças públicas,
leva à valorização do câmbio, cujos efeitos danosos são conhecidos. Os sinais de estabilidade macroeconômica não são apenas
baixa inflação: são também razoável pleno emprego, equilíbrio
das contas externas e taxa de juros moderada.
A alta inflação foi controlada
no Brasil no momento em que
três condições se cumpriram: primeiro, quando a sociedade brasileira compreendeu que esse era o
grande problema a ser enfrentado; segundo, quando um presidente que pouco sabia de teoria
econômica, mas tinha espírito patriótico, Itamar Franco, decidiu
só manter na pasta da Fazenda
um ministro que fosse capaz de
enfrentar o problema; e, terceiro,
quando esse ministro foi encontrado e o Plano Real neutralizando a inércia inflacionária foi implantado. Hoje, a alta Selic só será
vencida se o mesmo procedimento for adotado.
Lula chegou ao governo quando essa nova convicção por parte
da sociedade brasileira estava se
formando. Quando se percebeu
que a taxa de juros não derivava
do "risco Brasil" nem que fosse
necessária para rolar a dívida ou
para manter a inflação sob controle. Para controlar a inflação, a
taxa de juros real básica do Banco Central pode e deve variar de
1% a 4%, não de 9% a 13%.
O governo, entretanto, não soube compreender esses fatos elementares. Continuou a acreditar
no fogo de barragem da ortodoxia convencional, que afirma que
a única alternativa a ela própria
são a renegociação da dívida pública e o populismo fiscal; que
ameaça o país com a volta da inflação; e que implantou no país
um sistema de metas de inflação
que paralisa o próprio governo. O
Brasil precisa de metas econômicas, mas não podem ser apenas de
inflação, devem ser também de
taxa de câmbio e de nível de emprego. Metas entre as quais existem compensações, que devem ser
consideradas a cada momento
em que se decide a política econômica.
Poderá um governo paralisado
pela crise, um governo que está
terminando antes do tempo, fazer
alguma coisa ainda para mudar
esse quadro e recuperar a credibilidade perdida? É pouco provável.
Para isso, seria preciso uma coragem, um espírito republicano e
uma visão de estadista que não
parecem disponíveis. Não resta
alternativa, portanto, à sociedade
brasileira senão esperar que o
próximo presidente por ela eleito,
e nela apoiado, seja capaz de agir
em relação ao nível da taxa de juros como o presidente Itamar
Franco agiu em relação ao nível
da inflação.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Democracy and Public Management Reform" (Oxford University Press, 2004).
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
bresserpereira@uol.com.br
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