São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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ARTIGO

Investidor comum passa por maior crise de confiança

VICTOR BOLAND
DO "FINANCIAL TIMES"

Trata-se da primeira baixa de mercado na história do clube de investimento Girls With Cash, em Nova York e elas estão se mantendo firmes. A queda nos preços das ações, nos Estados Unidos e em todo o mundo, vem sendo bastante educativa, diz Barbara Eng, uma das fundadoras do clube. As 14 integrantes do grupo -mulheres profissionais liberais na faixa dos 30 aos 50 anos- ganharam muita perspectiva com a experiência.
Eng diz que o clube passou por "discussões bastante acaloradas" sobre uma possível retirada dos US$ 20 mil que tinha investidos no mercado. Mas elas decidiram esperar para ver. "Não se pode tomar decisões emocionais. A hora é péssima para isso. É preciso depender das reservas acumuladas e fazer o que parece certo", acrescenta.
Não são os únicos norte-americanos preocupados com o dinheiro deles no momento. De acordo com o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) e com a Bolsa de Valores de Nova York, 84 milhões de norte-americanos investem nos mercados de ações, quer diretamente quer por meio de fundos mútuos ou de suas contas de aposentadoria especiais. Cerca de 60% dos domicílios do país investem em ações. Eles viram nos últimos dois anos a queda mais profunda e sustentada de preços de ações em pelo menos duas gerações.
Alguns desses investidores comuns estão sendo forçados a revisar seus planos de aposentadoria e uns poucos perderam tudo. Sentem-se ofendidos com a corrupção e a ganância em empresas como a Enron, a WorldCom e a Global Crossing e gostariam que algumas pessoas envolvidas terminassem na cadeia.
Mas alguns observadores atentos do comportamento desses investidores comuns dizem que pode haver um impacto mais duradouro do colapso dos mercados. Eles dizem que a mistura de escândalos, imensas quedas de preços e perda considerável de patrimônio fará com que a relação entre pessoas comuns, grandes investidores e mercado financeiro, que começou na era das ferrovias e atingiu seu pico na internet, sofra uma mudança não vista desde o crash da Bolsa em 1929.
"O mercado em baixa é um momento de definição para a presente geração de investidores", diz Anne Jacobi, corretora de valores com a AG Edwards, de St. Louis, que atende a mais de 800 clientes por dia. "Tenho alguns clientes -pouquíssimos- que ainda se lembram de 1929. É uma memória muito presente para eles e influencia tudo o que fizeram em suas vidas. A geração atual foi mimada pelas Bolsas em alta. Muitos deles estão aprendendo a voltar ao básico."
Richard Geist, presidente do Instituto de Psicologia e Investimento, acredita que a relação pode ser afetada em um nível mais profundo. "Muita gente neste país usa o mercado de ações para validar a auto-estima", diz. "Quando compram ações, e o mercado valida sua decisão por subir, isso faz com que se sintam bem. Quando o mercado cai, as pessoas se sentem derrotadas e sua auto-estima sai machucada. Estamos presenciando uma série de exemplos disso agora. A motivação do investimento é na verdade a esperança [de um retorno". Os investidores individuais perderam muita esperança e não têm idéia do que seria preciso para restaurar sua confiança no mercado."
O dr. Geist, que trabalha na próspera cidade de Newton, Massachusetts, diz que muito mais pessoas o procuram agora querendo consolo quanto aos seus investimentos do que costumava acontecer no passado recente. Isso é particularmente pertinente quanto aos aposentados ou pessoas próximas da ou planejando a aposentadoria, cujas economias foram seriamente afetadas pela queda nos mercados.
Bob O'Hara, vice-presidente desenvolvimento na National Association of Investors Corporation -NAIC-, um grupo que congrega os 31 mil clubes de investimentos que existem nos EUA, acredita que haja uma enorme mudança em curso. "Talvez seja cedo demais para fazer avaliações definitivas [sobre os escândalos", mas a preocupação é grande", diz. "Honestidade e transparência são o cerne de nosso sistema. Se os investidores não puderem confiar nos números, temos problemas." O'Hara está certo quanto a isso: os clubes de investimentos têm 400 mil membros e US$ 130 bilhões investidos no mercado.
A profundidade do efeito das queda sobre muitos dos norte-americanos comuns dependerá do momento em que tenham começado a investir. O índice Standard & Poor's 500, que engloba as principais empresas do país, caiu em quase 50% ante seu pico de março de 2000, mas se mantém 17,5% acima de sua marca em 1º de janeiro de 1997.
O grupo mais vulnerável de investidores é o que correu para as ações no final dos anos 90, perto do pico das Bolsas, especialmente se o investimento realizado tinha relação com planos de pensão. De acordo com Clare Hushbeck, economista da Associação Norte-Americana de Aposentados, um dos resultados da alta nas Bolsas foi o fato de que as pessoas ficaram expostas a riscos elevados em idade já avançada demais. "As pessoas investiram demais nas Bolsas de Valores, mas, no final dos anos 90, você se sentia um palhaço por não participar. É um tremendo revés."
Não existe uma crise de aposentadoria, acrescenta ela, mas a extensão da queda no patrimônio das pessoas que pensam em se aposentar logo "reflete uma séria questão nacional". E pode também estimular os mais jovens a começar a planejar cedo e mais seriamente as suas aposentadorias. Talvez uma mudança na relação entre Wall Street e os investidores comuns não seja má idéia. E Barbara Eng acredita que os investidores de varejo já estejam se tornando mais espertos.
Ela e suas colegas do clube Girls With Cash consideraram, em maio do ano passado, a possibilidade de investir na Enron. Estudaram suas normas de investimento, desenvolvidas com o apoio da NAIC, e pesquisaram os números com atenção. Decidiram -por um voto- não investir. "Nossas decisões exigem que 14 mulheres inteligentes sejam convencidas", diz ela. "É preciso que você tenha confiança em suas decisões e as sustente."


Tradução de Paulo Migliacci


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