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ARTIGO
Investidor comum passa por maior crise de confiança
VICTOR BOLAND
DO "FINANCIAL TIMES"
Trata-se da primeira baixa
de mercado na história do
clube de investimento Girls With
Cash, em Nova York e elas estão
se mantendo firmes. A queda nos
preços das ações, nos Estados
Unidos e em todo o mundo, vem
sendo bastante educativa, diz Barbara Eng, uma das fundadoras do
clube. As 14 integrantes do grupo
-mulheres profissionais liberais
na faixa dos 30 aos 50 anos- ganharam muita perspectiva com a
experiência.
Eng diz que o clube passou por
"discussões bastante acaloradas"
sobre uma possível retirada dos
US$ 20 mil que tinha investidos
no mercado. Mas elas decidiram
esperar para ver. "Não se pode tomar decisões emocionais. A hora
é péssima para isso. É preciso depender das reservas acumuladas e
fazer o que parece certo", acrescenta.
Não são os únicos norte-americanos preocupados com o dinheiro deles no momento. De acordo
com o Federal Reserve (Fed, o
banco central norte-americano) e
com a Bolsa de Valores de Nova
York, 84 milhões de norte-americanos investem nos mercados de
ações, quer diretamente quer por
meio de fundos mútuos ou de
suas contas de aposentadoria especiais. Cerca de 60% dos domicílios do país investem em ações.
Eles viram nos últimos dois anos a
queda mais profunda e sustentada de preços de ações em pelo menos duas gerações.
Alguns desses investidores comuns estão sendo forçados a revisar seus planos de aposentadoria
e uns poucos perderam tudo. Sentem-se ofendidos com a corrupção e a ganância em empresas como a Enron, a WorldCom e a Global Crossing e gostariam que algumas pessoas envolvidas terminassem na cadeia.
Mas alguns observadores atentos do comportamento desses investidores comuns dizem que pode haver um impacto mais duradouro do colapso dos mercados.
Eles dizem que a mistura de escândalos, imensas quedas de preços e perda considerável de patrimônio fará com que a relação entre pessoas comuns, grandes investidores e mercado financeiro,
que começou na era das ferrovias
e atingiu seu pico na internet, sofra uma mudança não vista desde
o crash da Bolsa em 1929.
"O mercado em baixa é um momento de definição para a presente geração de investidores", diz
Anne Jacobi, corretora de valores
com a AG Edwards, de St. Louis,
que atende a mais de 800 clientes
por dia. "Tenho alguns clientes
-pouquíssimos- que ainda se
lembram de 1929. É uma memória muito presente para eles e influencia tudo o que fizeram em
suas vidas. A geração atual foi mimada pelas Bolsas em alta. Muitos
deles estão aprendendo a voltar
ao básico."
Richard Geist, presidente do
Instituto de Psicologia e Investimento, acredita que a relação pode ser afetada em um nível mais
profundo. "Muita gente neste país
usa o mercado de ações para validar a auto-estima", diz. "Quando
compram ações, e o mercado valida sua decisão por subir, isso faz
com que se sintam bem. Quando
o mercado cai, as pessoas se sentem derrotadas e sua auto-estima
sai machucada. Estamos presenciando uma série de exemplos
disso agora. A motivação do investimento é na verdade a esperança [de um retorno". Os investidores individuais perderam muita esperança e não têm idéia do
que seria preciso para restaurar
sua confiança no mercado."
O dr. Geist, que trabalha na
próspera cidade de Newton, Massachusetts, diz que muito mais
pessoas o procuram agora querendo consolo quanto aos seus investimentos do que costumava
acontecer no passado recente. Isso é particularmente pertinente
quanto aos aposentados ou pessoas próximas da ou planejando a
aposentadoria, cujas economias
foram seriamente afetadas pela
queda nos mercados.
Bob O'Hara, vice-presidente desenvolvimento na National Association of Investors Corporation
-NAIC-, um grupo que congrega os 31 mil clubes de investimentos que existem nos EUA,
acredita que haja uma enorme
mudança em curso. "Talvez seja
cedo demais para fazer avaliações
definitivas [sobre os escândalos",
mas a preocupação é grande", diz.
"Honestidade e transparência são
o cerne de nosso sistema. Se os investidores não puderem confiar
nos números, temos problemas."
O'Hara está certo quanto a isso: os
clubes de investimentos têm 400
mil membros e US$ 130 bilhões
investidos no mercado.
A profundidade do efeito das
queda sobre muitos dos norte-americanos comuns dependerá
do momento em que tenham começado a investir. O índice Standard & Poor's 500, que engloba as
principais empresas do país, caiu
em quase 50% ante seu pico de
março de 2000, mas se mantém
17,5% acima de sua marca em 1º
de janeiro de 1997.
O grupo mais vulnerável de investidores é o que correu para as
ações no final dos anos 90, perto
do pico das Bolsas, especialmente
se o investimento realizado tinha
relação com planos de pensão. De
acordo com Clare Hushbeck, economista da Associação Norte-Americana de Aposentados, um
dos resultados da alta nas Bolsas
foi o fato de que as pessoas ficaram expostas a riscos elevados em
idade já avançada demais. "As
pessoas investiram demais nas
Bolsas de Valores, mas, no final
dos anos 90, você se sentia um palhaço por não participar. É um
tremendo revés."
Não existe uma crise de aposentadoria, acrescenta ela, mas a extensão da queda no patrimônio
das pessoas que pensam em se
aposentar logo "reflete uma séria
questão nacional". E pode também estimular os mais jovens a
começar a planejar cedo e mais
seriamente as suas aposentadorias. Talvez uma mudança na relação entre Wall Street e os investidores comuns não seja má idéia.
E Barbara Eng acredita que os investidores de varejo já estejam se
tornando mais espertos.
Ela e suas colegas do clube Girls
With Cash consideraram, em
maio do ano passado, a possibilidade de investir na Enron. Estudaram suas normas de investimento, desenvolvidas com o
apoio da NAIC, e pesquisaram os
números com atenção. Decidiram -por um voto- não investir. "Nossas decisões exigem que 14 mulheres inteligentes sejam convencidas", diz ela. "É preciso
que você tenha confiança em suas decisões e as sustente."
Tradução de Paulo Migliacci
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