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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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Plano busca ampliar mercado interno

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Leia abaixo a entrevista com José Carlos Miranda, chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento.(MS)

Folha - Faz um mês que o governo divulgou o "roteiro para agenda de desenvolvimento". Nesse prazo, um grupo do qual o sr. faz parte deveria reavaliar os incentivos fiscais concedidos à indústria e mapear os gargalos para o país crescer. A que conclusões chegou?
José Carlos Miranda -
Na verdade, o prazo era para uma nova reunião de avaliação. Essa é uma tarefa complexa, porque estamos inaugurando um novo modelo de desenvolvimento em que o papel do Estado é totalmente redefinido. Já não é mais a proposta de um Estado desenvolvimentista, que conduziu todo o processo de crescimento e substituição de importações, a montagem da indústria dos anos 50 aos anos 70, até o segundo PND [Plano Nacional de Desenvolvimento] do Geisel. Não é o modelo de Estado minimalista da era Fernando Henrique Cardoso. No novo modelo, o Estado é indutor das ações privadas.

Folha - Quais são os gargalos que o governo terá de enfrentar e quanto haverá de incentivos e subsídios às tais ações privadas?
Miranda -
A maior complexidade é, diante da existência de tantos gargalos e da escassez de recursos, identificar quais serão priorizados. Há nitidamente quatro desafios. Todos os gargalos de infra-estrutura e logística terão prioridade: rodovias, ferrovias ou obras destinadas ao escoamento de exportações. Isso para reduzir o "custo Brasil". Um segundo gargalo são os desequilíbrios regionais. O terceiro desafio é diminuir a vulnerabilidade externa, elevando as exportações e diminuindo de forma competitiva as importações. E, por fim, sem ordem de prioridade, é construir um mercado de consumo de massas, com a inclusão de famílias excluídas.

Folha - Mas quais são exatamente os setores a serem incentivados pela nova política industrial?
Miranda -
Serão privilegiados setores ou empresas cujo investimento amplie o volume de exportação, substitua competitivamente importações e produza para o consumo de massa, além de setores e empresas portadores de futuro. Não é muito. Precisamos modernizar o parque industrial brasileiro e uma forma de baratear isso é dando incentivo fiscal.

Folha - Nesse período de 2004 a 2007, o país estará comprometido com a meta de gerar superávits primários altos para pagar a dívida. Só neste ano, a Receita abriu mão de arrecadar R$ 24 bilhões. Para conceder novos incentivos, o governo vai anular outros?
Miranda -
Esse é o ponto nevrálgico do modelo de desenvolvimento. Dada a restrição fiscal, os recursos orçamentários vão ser basicamente destinados a duas coisas: às políticas sociais e ao financiamento de alguns projetos de infra-estrutura que não têm rentabilidade e, portanto, não interessam de imediato ao setor privado. Estatísticas mostram que 70% das doenças, principalmente em crianças, em regiões que não têm esgoto são derivados de falta de saneamento. É muito mais barato sanear do que tratar essas pessoas.
Em vários setores, basta dar tranquilidade e reduzir a incerteza, os retornos propiciam o investimento privado. Exemplo: transmissão de energia. Se tiver marco regulatório adequado, não tem por que o investimento privado não se realizar.
Existem outros projetos de investimento em que você teria uma contrapartida pública para complementar esse retorno. O benefício para o Estado é um gasto distribuído ao longo do tempo em vez do desembolso em uma obra. Suponhamos a construção de uma nova estrada. O investimento é realizado completamente pela iniciativa privada ou com pequeno aporte de recursos públicos. Depois, se o pedágio não cobrir todo o investimento, o Estado entra como se pagasse por mês uma amortização do capital e um juro pelo serviço.

Folha - Não sai mais caro para o contribuinte?
Miranda -
Não, só para o usuário daquele serviço. Um outro tipo de parceria público-privada é o seguinte. Suponha que o Ministério da Saúde queira construir um hospital e não tenha dotação. Então faz um consórcio entre uma construtora e uma empresa de administração hospitalar, elas vão ao mercado -o BNDES pode dar garantias se não tiverem recursos próprios-, fazem o investimento e pode haver um contrato para construção e administração do hospital por 15 anos. O governo paga um "aluguel", como se fosse o leasing de um carro.

Folha - Dá para calcular, percentualmente, qual o papel da iniciativa privada nos investimentos previstos no PPA?
Miranda -
Como a heterogeneidade dos projetos é muito grande, depende. Há projetos em que o governo vai pagando um aluguel, em outros terá um aporte inicial.

Folha - No governo Fernando Henrique Cardoso já havia a expectativa de uma grande participação da iniciativa privada no PPA, mas não virou realidade.
Miranda -
No plano anterior, havia a oferta de um portfólio de 400 e tantos projetos de investimentos que a iniciativa privada poderia optar por fazer. Estamos optando por ser focados e exequíveis. Um anexo do PPA listará as possibilidades de complementação de investimento privado, e é aí que entram as engenharias financeiras.

Folha - Ainda no complicado capítulo dos incentivos fiscais, está claro que haverá cancelamento de atuais incentivos para abrir espaço aos novos? Os alvos podem ser as deduções com instrução e saúde no Imposto de Renda, que beneficia sobretudo a classe média? Isso estava em estudo na Fazenda e tem o forte apoio do Banco Mundial.
Miranda -
Tem outras coisas também importantes. O comprometimento desse governo com o ajuste das contas públicas exige que os incentivos sejam focados e tenham contrapartidas de empresas e setores beneficiados. Isso deve ficar pronto em dez dias. É impossível, dada a restrição orçamentária, que a gente aumente o volume de incentivos.

Folha - Na revisão do acordo com o FMI, o sr. acha fundamental rever o conceito de investimento das empresas estatais, contabilizados como déficit público?
Miranda -
Caso haja revisão do acordo, essa é uma das principais questões, contribuiria para aumentar o investimento de dois setores centrais na competitividade da indústria brasileira e também para diminuir a vulnerabilidade da economia: o sistema Eletrobrás e a Petrobras. Mas ainda não estamos contando com isso.

Folha - No capítulo do consumo de massa, a intenção é estimular a produção de bens mais acessíveis ou estimular o aumento da renda?
Miranda -
Nós fizemos uma simulação dos impactos do crescimento projetado em 3,5% em 2004 somando o impacto das políticas de transferência de renda.
Se cada família recebesse R$ 50, as 11,2 milhões de famílias pobres com renda per capita anual de até R$ 1.793, tenho o seguinte resultado: a renda per capita da primeira faixa, de 4 milhões de pessoas mais pobres, passa de R$ 840 para R$ 1.457; da segunda faixa, passa de R$ 1.793 para R$ 2.438.

Folha - Vai haver tanto dinheiro no PPA, R$ 6 bilhões, para programas de transferência de renda?
Miranda -
Lógico. Se eu fizer 11 milhões, que são as pessoas adequadas a receber programas, tenho isso. Se aumenta a renda, a propensão a consumir da classe mais baixa é altíssima em produtos de primeira necessidade, muito em alimentação, alguma coisa em vestuário e também em remédio. No geral, com crescimento de 3,5% e essa política de renda, você vai ter um aumento da demanda de trigo em grão de 13%, 10% a mais de frango, 11% de açúcar, 9% de óleo vegetal e 7% de remédio, por exemplo. Daí porque a questão de inclusão social e de uma sociedade de consumo de massa, embora seja uma questão ética, é também uma questão econômica.

Folha - Está de pé o cenário de crescimento de 3,5% em 2004, 4% em 2005 e 4,5% nos dois anos seguintes?
Miranda -
Isso se mantém. Se houvesse redefinição, seria para melhor, tanto nas projeções de juros, como de inflação e câmbio.

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