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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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INTERNACIONAL

Dragão chinês e o cabresto ortodoxo

GIULIANO GUANDALINI
DA REDAÇÃO

Só faltava Alan Greenspan, o oráculo maior do mundo capitalista. Já não falta mais. O presidente do Federal Reserve (banco central norte-americano) afirmou na semana passada que a China terá que deixar sua moeda flutuar, porque não terá como manter o câmbio fixo, atrelado ao dólar, sem que haja um elevado desequilíbrio financeiro.
O rápido avanço chinês nos mercados globais incomoda cada vez mais, principalmente os países ricos, que tentam fazer o dragão do Oriente vestir o cabresto da ortodoxia econômica. Não há como competir com as importações chinesas, argumentam, se o país preservar sua moeda, o yuan, subvalorizada.
Desde 1994, a China adota uma âncora cambial que mantém sua moeda praticamente estável em relação ao dólar. De lá para cá, o yuan só passou por ajustes uma única vez, durante a crise asiática, em 1997. A estratégia é manter o yuan deliberadamente desvalorizado para que os produtos do país sejam mais competitivos comercialmente.
Mas a China está sob acirrada pressão internacional, acima de tudo dos Estados Unidos e da União Européia, para permitir uma apreciação do yuan. Antes de Greenspan, o secretário do Tesouro norte-americano, John Snow, o secretário de Comércio, Donald Evans, e autoridades européias, como Wim Duisenberg (presidente do BC Europeu), já haviam condenado a política cambial chinesa.
Por trás da pressão, há grandes lobbies industriais. Ainda na semana passada, senadores americanos apresentaram uma solicitação ao Departamento do Tesouro para que se investigue se a China tem "artificialmente" enfraquecido o yuan.
"Isso está custando empregos americanos", condenam os senadores, em carta enviada ao Tesouro. A balança comercial entre os dois países dá uma medida do problema. Em 2001, o saldo ficou positivo para os chineses em US$ 28,2 bilhões. No ano passado, a vantagem saltou para US$ 43,3 bilhões.
Mas, se por um lado cresce o time dos incomodados pelo dragão chinês, de outro há os grupos que correram ao país em busca da conquista do mais novo Eldorado do globo. No ano passado, a China ultrapassou os EUA e se tornou o principal destino dos investimentos diretos estrangeiros, com um total de US$ 55 bilhões.
A China está na moda e pouco importa se está longe de ser um modelo democrático e de desenvolvimento (seu Índice de Desenvolvimento Humano é inferior ao brasileiro). País nenhum cresce como a China, o que assegura bom retorno aos investimentos. No primeiro semestre, mesmo com os efeitos adversos da Sars (síndrome respiratória aguda grave), a economia registrou uma expansão de 8,2%, mesmo ainda que a demanda estivesse reprimida nas principais economias.
Para os críticos da ortodoxia liberal, o país se tornou paradigma de um modelo alternativo. Gente como o Nobel de Economia Joseph Stiglitz não se cansa de apontar o sucesso da China diante do "fracasso" do liberalizante Consenso de Washington. Mais uma vez, democracia parece questão menor.
Mas, apesar da grande especulação nos mercados sobre uma possível valorização do yuan e da pressão internacional, a China não deverá mexer no câmbio tão cedo. Após as críticas de Greenspan, o governo afirmou que a estabilidade cambial não traz benefícios apenas para o desenvolvimento local, mas contribui para o bom funcionamento de toda a economia mundial.
Ainda não será agora que o dragão se dobrará ao cabresto.

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