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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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CARTEL

Para José Tavares, da Seae, eficiência econômica é muito mais importante

Concentração de mercado não preocupa, diz Fazenda


O problema da economia não é, como foi no passado, instalar novos setores industriais. O problema é como manter a eficiência da estrutura produtiva

O mais eficiente é um desenho monopolista. Se esse for o desenho, me preocuparei que esse monopolista seja eficiente e distribua os benefícios para a população



PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, José Tavares, 59, afirma que não teme que o setor aéreo se torne monopolista após a fusão da Varig com a TAM. Para ele, "muito mais importante" do que a concentração de mercado é a "eficiência" econômica.
Tavares disse que não está preocupado com o fato de a nova empresa vir a ter mais de 70% do mercado -desde que seja mudado o marco regulatório do setor para facilitar a entrada de novos competidores nacionais. Ele defende, porém, a manutenção do fechamento das rotas domésticas às companhias estrangeiras.
Outro "virtual monopólio" que não preocupa o secretário é o da AmBev. Ele quer, no entanto, acabar com a tarifa de importação para abrir espaço à concorrência no mercado de cervejas.
Segundo Tavares, a regulamentação de quase todos os setores deve ser aperfeiçoada para garantir mais competição -é o caso do de combustíveis, especialmente do gás de cozinha. Ele disse que há forte concentração no setor em todos os Estados. Uma das mudanças será o fim da obrigatoriedade de o revendedor comprar sempre do mesmo distribuidor.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
 

Folha - O que mudou na Seae [Secretaria de Acompanhamento Econômico] no novo governo?
José Tavares -
A estabilização macroeconômica é apenas a parte inicial de retomada do crescimento. A atividade da Seae tem papel fundamental porque a política de concorrência tem o objetivo de forçar a coerência das diferentes políticas. Quando nós falamos da agenda de desenvolvimento, buscamos assegurar que o sistema produtivo brasileiro acompanhe o ritmo do progresso técnico internacional. Se não existe aumento de eficiência, não podemos atacar toda aquela agenda de crescimento que foi objeto da plataforma de campanha do presidente Lula.

Folha - Como o sistema de defesa da concorrência pode ajudar no desenvolvimento?
Tavares -
Os dois objetivos da política de concorrência são promover a eficiência econômica e defender os interesses do consumidor. Mas só podemos atender ao segundo de maneira adequada se tivermos alcançado o primeiro. Não adianta nada o BNDES promover uma nova indústria se ele não está gerando os estímulos para que essa indústria seja inovadora. O problema da economia não é, como foi no passado, instalar novos setores industriais. O problema é como manter a eficiência da estrutura produtiva.

Folha - Quais as principais frentes de atuação hoje da Seae?
Tavares -
Grande parte do trabalho tem a ver com a interface concorrência e regulação em todos os setores onde existem problemas recorrentes de concorrência, como é o caso do de GLP. É um indicador de que reparos precisam ser feitos nas normas que regulam o setor.

Folha - Quais reparos são necessários?
Tavares -
São duas portarias: uma sobre distribuição e outra sobre revenda, para dar mais flexibilidade ao setor.

Folha - O fim da obrigatoriedade da revenda adquirir exclusivamente de um só distribuidor estará contemplado nas portarias?
Tavares -
Sim. Isso vai estar em discussão nas portarias, que estão indo para consulta pública.

Folha - O sr. pensa em reduzir as tarifas de importação para enfrentar setores monopolistas?
Tavares -
Na negociação da Alca [Área de Livre Comércio das Américas], estamos examinando as tarifas de importação de vários setores monopolistas. É o caso da AmBev, que é uma monopolista virtual. Existe uma tarifa de 23% na importação de cerveja. A AmBev não tem o menor receio dessa tarifa ser reduzida a zero. O que ela solicita, com toda razão, é que essa redução seja feita no âmbito da negociação da Alca. Isso porque diversos países latino-americano têm tarifas semelhantes. Será uma oferta do Mercosul nas negociações da Alca. Em todos os setores nos quais existem empresas monopolistas, não faz sentido restringir as importações, pois reforça ainda mais o poder dessa empresa.

Folha - Juntas, Varig e TAM terão 70% do mercado. O fato o preocupa?
Tavares -
A pergunta que fazemos é: qual o marco regulatório que vai assegurar um setor de transporte aéreo eficiente no longo prazo, com tarifas razoáveis para o consumidor? Não me preocupo com o grau de concentração. Claro que é algo que tenho que olhar. Mas a primeira pergunta que faço é a seguinte: qual o desenho mais eficiente dessa indústria?

Folha - Eficiência é, portanto, mais importante do que concentração?
Tavares -
Muito mais. Isso porque existem certas circunstâncias que, dadas as características de tecnologia e dada a dimensão do mercado, o desenho mais eficiente é de um monopolista. Se esse for o desenho, o que tenho de me preocupar é que esse monopolista seja eficiente e distribua os benefícios para a população. Quando existe um monopolista, tem de se eliminar todas as barreiras à entrada [de novas empresas] no setor.

Folha - O que tem de mudar na regulamentação do setor aéreo?
Tavares -
O setor aéreo é um caso delicado porque existem problemas de regulamentação no mundo inteiro. Não existe um país que podemos adotar como modelo. O resto do mundo está também em situação difícil. Todos os países, em tese, seriam beneficiados com [um acordo de] céus abertos [liberdade de todas as companhias entrarem em todos os mercados]. Mas não é uma discussão para o curto prazo.

Folha - O sr. não teme que a fusão provoque aumento no preço das passagens?
Tavares -
Vamos admitir que saia a fusão -podemos admitir também que a Varig quebre e a TAM vire monopolista. A perspectiva não é cor-de-rosa. Concluída e aprovada a fusão, temos de ver o que faremos em termos de regulação para ter uma indústria eficiente e competitiva. O fato é que não existe nenhum país do mundo com muitas empresas.

Folha - O que o sr. pensa fazer para reduzir o poder da maior monopolista do país, a Petrobras. Cogita obrigar a empresa a se desfazer de capacidade de refino, setor no qual tem 98% do mercado?
Tavares -
Há 12 anos, tínhamos um modelo quase soviético de organização do setor, com uma empresa estatal [Petrobras] que distribuía cotas para um conjunto de empresas [distribuidoras] escolhidas. Essas distribuíam para revendedores e o governo controlava o preço no final da cadeia. Idealmente, já que existe a presença monopolista da Petrobras, é importante que exista uma infra-estrutura alternativa de importação. Mas ninguém consegue vender o GLP de forma tão eficiente e barata como a Petrobras.

Folha - Mas a reclamação das distribuidoras é que a Petrobras tem preços mais baixos do que os internacionais no caso do GLP, o que inviabiliza as importações...
Tavares -
Se a Petrobras já está colocando o GLP aqui abaixo do preço internacional, o consumidor brasileiro está sendo beneficiado. O que temos de assegurar é que esse benefício chegue aos consumidores.

Folha - Há indícios de formação de cartel nesse mercado?
Tavares -
Os dados apontam para um conjunto de casos de condutas anticompetitivas das distribuidoras, com acusação de formação de cartel. O Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] vai ter de julgar isso. Chama a atenção a elevadíssima concentração do setor. Em todos os Estados, as quatro maiores empresas têm sempre mais de 75% do mercado.

Folha - Existem outras irregularidades?
Tavares -
Como disse antes, grau de concentração não é problema. Posso conviver bem com um monopolista eficiente e que esteja submetido à competição. Não tenho nenhum problema com monopolistas como a AmBev. Não estou preocupado, pois a AmBev produz um bem cuja demanda é elástica e vai estar sempre submetida à competição. Não é o caso do GLP, um produto de primeira necessidade que afeta a população como um todo. Se há muita concentração, tenho que redobrar a atenção.

Folha - A estrutura de preços do GLP indica anormalidades?
Tavares -
Quando olho a estrutura de custo do GLP, 40% é o produto, 20% são tributos e os outros 40% são [a margem] de distribuição e revenda. Ora, existe algum outro produto cuja margem de distribuição e revenda seja de 40%? Não conheço. À primeira vista, é um setor ineficiente.

Folha - O governo estuda mudar o sistema nacional de defesa da concorrência?
Tavares -
A proposta que vai para consulta pública é de uma fusão da Seae e da SDE [Secretaria de Direito Econômico] e de fortalecimento do Cade. Isso significa ampliar os mandatos dos conselheiros de dois para quatro anos e dar ao Cade estrutura própria de pessoal.

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