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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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MISÉRIA RECICLADA

Exército de catadores de lixo cresce, e atividade já é reconhecida pelo Ministério do Trabalho; preços pagos pelo material caem

Desemprego impulsiona corrida da sucata

Tuca Vieira/ Folha Imagem
Catador de sucata passa com carroça por cima de bandeira do Brasil pintada no asfalto da al. Barão de Limeira, no centro de SP


LÁSZLÓ VARGA
JOSÉ ALAN DIAS

DA REPORTAGEM LOCAL

A crise econômica chegou ao lixo. A estagnação da indústria e o aumento de carroceiros na ruas, que coletam papéis, latas, peças de ferro e garrafas usados reduziu o valor desses resíduos. Há excesso nos ferros-velhos e nos estoques das empresas de reciclagem. Resultado: o preço do quilo do alumínio usado, por exemplo, caiu mais de 20% desde abril.
Os dados sobre o aumento do número de catadores no Brasil são imprecisos. Mas uma série de indícios aponta uma forte expansão desse contingente: um ano atrás, 80% do volume de papel comprado pelos ""aparistas" (intermediadores da venda de papel usado para as indústrias) tinha como origem as gráficas e os bancos. Os 20% restantes eram originários de cooperativas ou ferros-velhos, que são abastecidos pelos catadores e carroceiros.
Agora a situação mudou. Metade do material que chega aos "aparistas" é fornecido pelas cooperativas e pelos ferros-velhos.
De acordo com a Anap (Associação Nacional dos Aparistas de Papel), em 2001, 45 mil catadores forneciam material para os depósitos e cooperativas. No ano passado, o número subiu para 53 mil.
Cooperativas de catadores, como a Recifran, instalada sob um viaduto no bairro do Glicério (centro de SP) e mantida por frades franciscanos, identificam maior procura de pessoas interessadas em trabalhar no setor. "Temos hoje 40 catadores. Até o final de julho [quando vai para nova sede] serão mais 30", diz o frei André Gurzynski, diretor do Serviço Franciscano de Solidariedade. Diariamente, quatro pessoas vão à Recifran buscando trabalho.
Segundo o Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem) e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), há no país cerca de 500 mil catadores de papéis, metais, plásticos e vidros. Muitos ficaram desempregados nos últimos seis anos. Em geral, têm pouca instrução e são os primeiros dispensados quando as empresas decidem demitir.
A crescente presença dos catadores na economia obrigou o Ministério do Trabalho a recolhecê-los na nova Classificação Brasileira de Ocupações, no final de 2002.
"A inclusão ocorreu por imposição do mercado de trabalho. O reconhecimento é um primeiro passo, porque indica que se trata de profissão emergente", diz Claudia Paiva, do ministério.

Queda nos preços
Os preços dos resíduos para reciclagem variam com o mercado. Quanto maior a oferta, menor o preço pago. É o que ocorre agora, com mais catadores e menos encomendas das indústrias de material a ser reciclado.
André Vilhena, diretor-executivo do Cempre, afirma que a situação no setor é frágil. "A queda de 14,4% nas vendas de papelão ondulado novo registrada neste semestre tem resultados na reciclagem", afirma Vilhena.
O quadro econômico reflete os problemas no setor. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego geral no Brasil subiu de 12,4% para 12,8% entre abril e maio. O PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre deste ano registrou uma queda de 0,1% em relação aos últimos três meses de 2002.
O fato é que a economia está empacada e os carroceiros também sentem os efeitos.
Boa parte da mercadoria deles tem perdido valor desde o final de abril. O preço do quilo de papelão pago pelos ferros-velhos caiu de R$ 0,19 para R$ 0,17, o de jornal de R$ 0,19 para R$ 0,11, e o de ferro de R$ 0,18 para R$ 0,12.
De acordo com o Cempre, os preços dos resíduos variam de cidade para cidade. A Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo avalia também que a nova taxa do lixo levou os paulistanos a fazerem coleta seletiva dos resíduos, para diminuir o volume de lixo e a taxa a pagar. O que aumentou a oferta de resíduos.
A despeito dos problemas dos trabalhadores, a indústria de reciclagem está em alta no Brasil. O faturamento das indústrias com produtos reciclados saltou de R$ 3 bilhões para R$ 4 bilhões entre 2001 e 2002. O Cempre não arrisca um número para 2003, por causa da queda de preço de materiais e da paralisação da economia.
Pessoas com grau superior também estão trabalhando no setor. O arquiteto Alberto Zanini, 49, montou há quatro meses um ferro-velho. Fatura cerca de R$ 10 mil por mês, mas ainda não teve lucro. "Estou pensando nesse negócio a longo prazo", diz Zanini. Sua renda é garantida com trabalhos esporádicos de arquitetura.

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