São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Mais uma chance perdida


O ganho com a queda dos juros e que leva a redução no custo da dívida está sendo gasto de forma irresponsável


O GOVERNO do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive uma armadilha clássica na história das democracias de massa das últimas décadas. Seus principais passos e decisões são tomados em função de sua popularidade, em um horizonte de tempo definido por seus objetivos eleitorais. O editorial da Folha de ontem tem um bom resumo, usando as palavras do próprio presidente da República, dessa sua forma de agir. A Folha trata da questão do acidente de Congonhas e da crise aérea, mas suas palavras alcançam vários outros setores do governo federal.
A origem primária da crise aérea é a mesma que tem permitido a Lula apresentar índices invejáveis de apoio popular legítimo. Uma economia que cresce com vigor, fazendo os brasileiros viverem e se sentirem melhor. Nesse processo de recuperação do nível de consumo, a demanda por certos produtos e serviços tem crescido a taxas impressionantes. Ancorado em uma situação macroeconômica sólida, o sistema financeiro vem expandido o crédito ao consumidor a taxas superiores a 20% ao ano. Uma moeda forte complementa esse cenário favorável e garante mais alguns anos de bonança para nós, brasileiros. Mas todo esse movimento tem se realizado por uma dinâmica essencialmente privada, restringindo-se o governo a manter inalterado os marcos principais da política macro, herdada de seu antecessor. No que diz respeito às ações administrativas que complementem e perenizem esse dinamismo, o governo tem sido um verdadeiro desastre. Volto aqui à questão da crise aérea, potencializada sem dúvida pelo aumento do consumo dos brasileiros por serviços aéreos, mas que só atingiu as dimensões atuais pela total inépcia com que foram tratadas as questões dessa área.
Mas existem vários outros campos da atividade do governo em que a incapacidade de tratar com seriedade e eficiência os novos desafios econômicos vai marcar a sociedade brasileira nos próximos anos. Trato hoje de uma questão que será sentida por todos nós em futuro muito próximo. Os ganhos expressivos que estamos tendo com a queda dos juros de mercado e que levam a um redução significativa no custo financeiro da dívida pública no Orçamento federal estão sendo gastos de forma irresponsável e pouco transparente. A sociedade foi obrigada a pagar, por mais de uma década, uma conta de juros altíssima como forma de evitar crise financeira de graves proporções. A forma de fazer isso foi a criação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que permitia o financiamento dessa conta extra de juros. No auge desse processo, tivemos um juro real sobre os títulos públicos de 12% a 15% ao ano. Hoje, os juros reais estão em pouco mais de 7,5% e devem cair abaixo de 7% até o fim do ano.
Em uma economia marcada por uma carga fiscal totalmente em desalinho com nossos parceiros comerciais e que vai cobrar um custo de competitividade mais adiante, o que faz o governo Lula? Em vez de reduzir a CPMF na proporção dos ganhos já obtidos, pretende mantê-la inalterada e direcionar o excesso de sua arrecadação para gastos de transferência para programas sociais e de subsídios às grandes centrais sindicais, além de algum pedágio para Estados e municípios. Os custos dessa decisão não vão ser claros para a sociedade, mas será uma herança maldita dos anos Lula, que certamente vão terminar.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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