São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Curiosidade

JOÃO SAYAD

Será que o Tribunal do Júri consegue apurar a verdade? O advogado de defesa tem o compromisso de provar a inocência do réu. O promotor está comprometido em provar que o réu é culpado. O juiz, preocupado apenas com os procedimentos. E 12 jurados, leigos, inocentes, têm de decidir. Será que dá certo?
E as discussões entre cientistas, serão melhores? Nesse caso, o cientista que "descobriu", "propôs" ou "inventou" tem compromisso com a verdade, e não com o invento. O outro, que não acredita, também tem compromisso com a verdade, e não em "desmascarar" o colega.
Mesmo assim não funciona muito bem. Lembram-se daquele grupo que "descobriu" a fissão a frio? Galileu quase foi queimado vivo.
Em questões públicas, o debate se parece com a discussão entre advogados e promotores.
O governo, por dever de ofício, se considera responsável por tudo de bom e de ruim que está acontecendo. Qualquer tema é interpretado como acusação ou crítica. Ex-governo não escapa do problema -por que não fez na sua vez?
A oposição é suspeita, acusada de inveja e rabugice. Se levantar um bom argumento, logo se segue a pergunta seguinte -e qual é a solução?
Em resumo, razão comunicativa, no Brasil, não tem a menor probabilidade de sucesso. Particularmente em época de eleição. Por aqui não é possível o diálogo franco, espontâneo, livre de qualquer coerção.
Hoje, insisto na conversa desinteressada e em perguntas genuínas, para as quais não tenho resposta.
O que aconteceu com a distribuição de renda no Brasil, desde 1994? O conceito de imposto inflacionário e a idéia de que a inflação é o mais regressivo dos impostos não são sólidos. Compra de eletrodomésticos também não ajuda. Um sujeito com salário mínimo não muda de renda apenas porque carrega um grande rádio barulhento pela rua.
Quais foram os efeitos do aumento do salário mínimo? Quais os impactos dos pagamentos generalizados de benefícios para o setor rural e trabalhadores de baixa renda feitos pela Previdência? A reforma da Previdência acabou com esses benefícios?
A despesa com produtos alimentares alcança 40% da renda dos assalariados. A sobrevalorização cambial afetou preços agrícolas domésticos e aumentou a renda real dos brasileiros mais pobres? E o desemprego, como afeta as diferentes classes de renda?
O governo informa que a indústria brasileira passa pela maior transformação do século. Onde estão as novas indústrias? São importantes? Por que são invisíveis? Quem trabalha lá? Qual a extensão da desindustrialização?
E as empresas que foram privatizadas, como vão indo?
É fácil produzir lucros no curto prazo. Basta renegociar alguns contratos, deixar de pagar dívidas, fechar departamentos de pesquisa e demitir funcionários. Isso tudo só interessa ao acionista.
Quando o acionista é o governo, lucros representam ganhos para todos os contribuintes. Quando a empresa é privada, o lucro não é relevante. Indica monopólio e ineficiência.
Para o país, interessam a competitividade e o nível de investimentos.
Será que as propriedades cruzadas -o setor siderúrgico investindo em energia, que investe em mineração, que investe em transporte- aumentam ou reduzem a competitividade? Qual a opinião do ACDE?
Quem financiou a compra das estatais? Quanto foi financiado pelo BNDES e quanto pelos fundos de pensão das estatais? As privatizadas são empresas mais modernas, mais profissionais do que as estatais? Como a venda das estatais reduziu o déficit público se a compra foi em parte financiada pelo governo?
Você também tem a sensação de que o Brasil, há muito tempo, está ficando mais pobre? Que a classe média está diminuindo? Que a próxima geração tem dificuldades maiores em achar empregos e, quando acha, são empregos que exigem menos formação do que na nossa época?
Será que o setor privado tem ambições, coragem e loucura suficientes para fazer investimentos arriscados e de tamanho significativo para fazer a economia brasileira crescer? Depois do café, da substituição de importações e dos investimentos públicos, o que vai substituir e fazer a economia brasileira crescer? Parques temáticos e telefones celulares?
Se o Brasil desvalorizar, quanto as exportações podem crescer? A média de crescimento das exportações dos outros países é maior do que o crescimento das exportações brasileiras, mas ainda é pequena. Como crescer?
Não adianta perguntar se não sabemos responder? Ninguém precisa se preocupar com isso tudo? Ou a pós-modernidade é isso mesmo -as coisas vão acontecendo alegre e desapercebidamente e acabam dando certo?


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net


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