São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os riscos do crescimento econômico

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Na semana passada, iniciei uma reflexão sobre a dinâmica do crescimento econômico que atinge a grande maioria das economias do mundo neste ano de 2004. Mostrei que existem hoje dois grandes pólos de dinamismo, as economias americana e chinesa, que estão estimulando via comércio internacional a atividade econômica de outras nações. Com isso, o nível de atividade da economia mundial recuperou-se do grande choque recessivo provocado pela explosão da bolha especulativa com ações de tecnologia, no início do novo século, em Wall Street.
Como ocorre freqüentemente na história, foram condições não previsíveis pelo ser humano que provocaram essa inflexão na atividade da economia global, a partir de 2003. Muitos analistas vão dizer que a recuperação da atividade econômica foi fruto da conjugação da redução de impostos nos EUA com a política de taxas de juros próxima de zero adotada pelo Fed, a partir da explosão da citada bolha especulativa. Digo eu que essa análise é apenas uma meia verdade, ou melhor, um terço da verdade.
Essa receita keynesiana, adotada pelo governo americano, e a ação do Fed tiveram importância na retomada da atividade econômica nos Estados Unidos, mas não explica na sua íntegra o que está ocorrendo no mundo hoje. A eficácia dessa receita keynesiana foi aumentada de forma marcante pela presença da China no cenário internacional. Com a economia chinesa atingindo hoje uma dimensão significativa em relação ao PIB mundial, a intensidade de seu crescimento passou a pesar de forma marcante na dinâmica da economia global dos dias de hoje.
Mostrando uma capacidade impressionante de modular estrategicamente seus passos para se transformar em uma das maiores economias do mundo, o governo chinês resgatou a imagem do planejamento econômico estatal, que estava na sarjeta, a partir do colapso do império soviético. Partindo de uma leitura estratégica feita pela liderança do PC depois do colapso do maoísmo, ao longo de mais de três décadas, o governo foi construindo o arcabouço de um sistema econômico híbrido, com planejamento e controle estatal e a liberdade de mercado coexistindo lado a lado.
A partir desse desenho feito no passado, as lideranças que se sucederam no governo de Pequim -outra herança dos tempos de Deng Xiaoping- foram tomando decisões temporais com grande eficiência. Mostrando uma grande expertise em economia, construíram um equilíbrio eficiente entre o planejamento estatal e a racionalidade macroeconômica do sistema de mercado. Essa era uma das críticas fundamentais feitas pelos companheiros de Deng Xiaoping ao modelo soviético. Para que uma economia planificada viesse a ter êxito, diziam eles, era necessária a existência de um espaço econômico livre a fim de que os problemas estruturais pudessem ser identificados e enfrentados a tempo. A existência desses sensores de racionalidade seria fundamental para a própria sobrevivência do sistema político.
Vários analistas ocidentais que têm acompanhado a política econômica do governo chinês ficam espantados com o nível de seu conhecimento da teoria econômica capitalista e de sua capacidade de articular as ações de mercado com os ditames de uma economia planificada. Tomemos o exemplo do sistema financeiro chinês. A grande maioria dos bancos é controlada pelo governo e responde de forma clara às orientações emanadas de sua cúpula econômica. Mas já há um nascente sistema privado de crédito, inclusive no segmento de financiamento ao consumo, setor em que o sistema bancário oficial não tem grande experiência.
Para mim, um exemplo marcante dessa expertise chinesa foi a habilidade em montar um mecanismo de viabilizar suas exportações para os Estados Unidos. O eixo da estratégia chinesa atual passa pela realização de um grande saldo comercial com os norte-americanos, para financiar suas importações de equipamentos e commodities da Ásia, da Europa e do mundo emergente. Para tal, é necessária uma política cambial que evite a valorização de sua moeda em relação ao dólar norte-americano. Isso está sendo obtido via uma intervenção maciça do BC chinês nos mercados de câmbio, comprando o dólar excedente de seus exportadores e reciclando-o de volta aos Estados Unidos, via compra de títulos do Tesouro norte-americano.
A questão principal que divide os analistas econômicos hoje é a estabilidade dessa ciranda financeira ao longo do tempo. Voltaremos a essa questão proximamente.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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