|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Vargas e Lula
GESNER OLIVEIRA
A atual crise política guarda
algumas semelhanças e muitas diferenças com a de 1954, que
culminou no suicídio de Getúlio
Vargas, na manhã de 24 de agosto
daquele ano. A economia e a política econômica apresentam contrastes marcantes na comparação
entre os dois momentos.
Vargas ficou chocado com as revelações de corrupção em seu governo. Daí sua frase: "Tenho a impressão de me encontrar sobre um
mar de lama". O fato mais grave
foi a participação do chefe da
guarda presidencial, Gregório
Fortunato, no atentado a Carlos
Lacerda, na rua Tonelero, em Copacabana. O crime custou a vida
do major da aeronáutica Rubens
Vaz.
Até há alguns anos a garagem
do número 180 da Tonelero ainda
trazia marcas de bala. Mas o velho
portão foi substituído por um novo e eletrônico, tão comum em
tempos de violência urbana, inimaginável no Rio de Janeiro dos
anos 50.
Lula estava tenso em seu discurso à nação da semana passada.
Considerou-se traído diante das
evidências de corrupção em seu
governo e seu partido.
Vargas e Lula são nomes fortes
no imaginário popular. Colocaram-se acima das máquinas partidárias que ajudaram a criar e estabeleceram canais próprios de
diálogo com as massas. Marcaram
momentos distintos do desenvolvimento brasileiro. Vargas lançou
as bases para a industrialização
impulsionada pelo Estado; o mesmo Estado que impôs rígido controle sobre os sindicatos. Lula surgiu no cenário político como uma
liderança nova nas greves do ABC
dos anos 70. Desafiou o sindicalismo chapa-branca, sem, contudo,
libertar-se totalmente dos mecanismos oficiais. As dificuldades encontradas até hoje para implementar as reformas sindical e trabalhista revelam a força do legado
varguista.
Vargas em seu primeiro período
de governo foi ditador. Lula chegou ao poder pela força das urnas.
Votaram 115 milhões de eleitores
em 2002, que representavam 67%
da população. Nas eleições de outubro de 1950, que levaram Getúlio de volta ao Catete, 11 milhões
de eleitores votaram, o que correspondia a 22% da população.
Antes mesmo de tomar posse,
Vargas já enfrentava uma pressão
golpista. A UDN contestava a
constitucionalidade de um presidente eleito sem a maioria absoluta de votos. A mesma UDN tentou
sem sucesso obter os votos necessários para o impeachment do presidente. A conspiração golpista continuou intensa, especialmente
após o crime da Tonelero.
Lula se beneficiou do amadurecimento das instituições democráticas nas últimas duas décadas.
Em contraste com Vargas, recebeu
o governo após transição tranqüila. O avanço da consciência democrática, a mudança no quadro internacional e do perfil das Forças
Armadas permitem descartar
qualquer tentativa de golpe.
Vargas enfrentou problemas
econômicos agudos. A balança comercial voltou a preocupar, e o
boicote ao café brasileiro no mercado dos EUA acarretou perdas de
receita. Lembre-se de que o café representava mais da metade das
vendas externas. A inflação começou a acelerar, ao passar de 11%
em 1950/51 para 22% em 1954.
Em contraste, Lula tem se beneficiado de indicadores estáveis,
apesar de surtos de volatilidade a
cada nova bomba, como foi o caso
de ontem. O Banco Central divulgou nesta semana o melhor saldo
mensal de transações correntes
desde 1947 (US$ 2,5 bilhões). Os
números de inflação têm sido favoráveis: o IGP-M caiu 0,34% em
julho.
Vargas não mostrou compromisso com a estabilização. Seus
ministros da Fazenda, Horácio
Lafer e depois Oswaldo Aranha,
não tiveram mandato para conter
a inflação. Contrariando seu Conselho Nacional de Economia, Vargas anunciou aumento de 100%
no salário mínimo em 1954.
Em contraste, Lula concedeu autonomia para sua equipe no combate à inflação. Os juros têm sido
mantidos em níveis imprudentemente altos, na casa dos 14% reais.
O governo contornou nesta semana manobra de parte da oposição
para elevar o mínimo a R$ 387.
O Brasil se transformou nos 51
anos que passaram desde o desfecho trágico da crise de 1954. As
tensões sociais que levaram ao golpe de 1964 já estavam sendo gestadas dez anos antes. Mas o país
continuou a se desenvolver, a despeito dos fortes desequilíbrios. É
possível superar a crise atual sem
ruptura institucional. O maior desafio reside em recuperar a vocação de crescimento que a economia apresentou no passado.
Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: "Risco-mensalão": Instabilidade política afeta ganhos na Bolsa Próximo Texto: Tendências Internacionais - América Latina: Indústria na Argentina avança 6,4% Índice
|