São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Transferência de renda a bancos é "brutal"

Pelo crédito recebido em 2005, as pessoas físicas pagaram 44% a mais só em juros; taxa ao consumidor supera 100% ao ano

Transferência se dá do setor público, que paga com o dinheiro de impostos os salários de servidores e pensionistas, e do privado


DA REPORTAGEM LOCAL

Além de ter dado "um gás" considerado limitado e até "artificial" ao consumo, o aumento do crédito no Brasil nos últimos meses produziu uma enorme transferência de recursos do setor público e da renda dos assalariados para os bancos.
No Brasil, o crédito total concedido representa apenas 32,1% do PIB (Produto Interno Bruto). A média internacional é maior do que 100%.
Aqui, o principal problema para a expansão dos empréstimos são os juros e a renda.
Em julho, segundo dados da Anefac, que reúne estatísticas desse mercado, o juro mensal médio subiu para 6,24% ao mês (106,7% ao ano), o maior patamar desde setembro de 2003 -apesar de o juro básico do BC ter caído de 19,75% para 14,75% nos últimos 11 meses.
Pelo total do crédito recebido em 2005, as pessoas físicas pagaram 44% a mais só por conta dos juros. Para R$ 155,2 bilhões em crédito foram pagos R$ 67,6 bilhões de juros.
"É uma transferência de renda brutal para o setor financeiro", afirma o economista Marcel Solimeo, da ACSP.
Essa transferência se dá tanto do setor público, que paga os salários de seus servidores, dos aposentados e demais beneficiários da Previdência Social, quanto dos assalariados privados que tomam empréstimos.
No caso do setor público, é como se o governo arrecadasse impostos para pagar salários que viram juros para os bancos.

Fôlego curto
Os juros altos também emperram o fôlego do crédito como motor econômico. No limite, o consumidor chega a pagar duas vezes por um mesmo produto -uma pelo bem, outra pelos juros.
Segundo Reinaldo Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE, o fôlego do crédito está no fim. "As pessoas estão no limite do endividamento, e a inadimplência mostra isso", afirma.
Para o IBGE, as vendas de bens duráveis (móveis e eletrodomésticos) são o melhor termômetro para avaliar o fim desse fôlego -já que esses bens são geralmente financiados.
No primeiro semestre de 2006, as vendas de bens duráveis cresceram 9%. No mesmo período de 2005, o volume foi duas vezes maior (19,7%).
Antonio Carlos Borges, economista da Fecomercio SP, diz que, além dos juros, o problema é que a renda não cresce a uma velocidade compatível com a do crédito. "Sem a renda crescendo mais forte, não há novos consumidores no mercado. A tendência é de queda no comércio até o final do ano."
Sergio Vale, economista da MB Associados, diz que a renda em 2006 está crescendo por causa do reajuste real do mínimo e da ampliação dos programas sociais e subsidiados (via Previdência) do governo. "Isso não se repetirá em 2007", diz.
Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa, empresa de análise de crédito, afirma que a inadimplência fez acender um "sinal amarelo" no mercado.
Almeida acredita, no entanto, que o crédito ainda terá algum fôlego como estímulo ao crescimento econômico daqui em diante. (FERNANDO CANZIAN)


Texto Anterior: Rubens Ricupero: Limites do poder
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.