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RUBENS RICUPERO
Limites do poder
A diplomacia brasileira não
tem poder para suas metas:
OMC, Conselho da ONU e
integração na América do Sul
TÊM O mesmo sentido a retirada israelense do Líbano e a
reocupação de Bagdá por tropas americanas: ambas indicam os
limites do poder de Israel e dos
EUA. Para isso, basta comparar os
objetivos anunciados e o que se conseguiu.
A invasão do Líbano visava: 1º) libertar os soldados capturados; 2º)
destruir o poder ofensivo do Hizbollah; 3º) dissuadir a Síria e o Irã de
continuarem a armar o "partido de
Deus". Nenhum dos alvos foi atingido de modo satisfatório. O esforço
de provar que a operação teve êxito
não convenceu nem a opinião israelense. A razão é simples: a vitória
não necessita de demonstração. Como no futebol, não adianta ser
"campeão moral": ou se ganha ou
não.
Na invasão do Iraque, todos os objetivos se revelaram falsos -as armas temidas, a ligação com Al Qaeda- ou inatingíveis em termos realistas -a conversão do Oriente Médio à democracia, a transferência do
poder aos xiitas sem alienar os sunitas. O Iraque de Saddam tinha muitos problemas, só que o terrorismo
não era um deles. Hoje livrou-se do
tirano, mas é celeiro de terroristas e
matadouro de inocentes. Aprovou-se constituição e governo ampliado,
transferiu-se o controle a forças locais e o terrorismo piorou, obrigando os soldados americanos a voltar.
Israel e os EUA possuem poder
militar para aniquilar os adversários em guerra convencional, o que
de pouco serve quando a natureza
da guerra ou dos objetivos depende
sobretudo da diplomacia e da política. Ora, a estratégia americana exclui a priori engajar pela negociação
atores decisivos como a Síria e o Irã.
Por outro lado, o uso e abuso da força aliena e radicaliza árabes e muçulmanos contra o objetivo israelense -a segurança dentro de território definido unilateralmente- e o
americano -a remodelação da região de acordo com o modelo democrático ocidental.
Mesmo se fosse possível resolver
a questão por meios militares, a prática vem se debatendo com dois
obstáculos recorrentes. O primeiro
é a invariável subestimação dos recursos necessários, visível no erro
estratégico do secretário de Defesa
Rumsfeld em pensar que teria uma
vitória "barata", com pouca tropa e
escassas baixas.
O segundo, conseqüência do anterior, é que, para dar certo, o custo
teria de ser tão elevado em mortes,
destruição e dinheiro que se tornaria moral ou politicamente inaceitável. É o que se viu no erro de cálculo
de que o Hizbollah seria destruído
pelo bombardeio aéreo e a operação
terrestre limitada ao sul. Apesar de
americanos e ingleses terem demorado o cessar-fogo, como o juiz que
não apita o final para dar tempo ao
gol decisivo, o esforço apenas redundou em maiores perdas de vida.
Em estratégia e diplomacia não
basta que a meta seja desejável: é
preciso que se possa atingi-la com
custo razoável. Há casos raros em
que só existe uma opção, ainda que
desesperançada. A heróica resistência da Polônia à agressão nazista ou
o levante do "ghetto" de Varsóvia
são desses extremos. Fora disso, se a
meta é pouco exequível, mas vale a
pena tentar, convém persuadir a
opinião pública de que não há alternativa melhor ou que o custo da tentativa não é excessivo.
A diplomacia brasileira enfrenta o
dilema de não dispor de poder para
alcançar suas três metas principais.
A liberalização agrícola na Organização Mundial do Comércio depende dos EUA e da Europa, mas estamos certos em dar-lhe prioridade
devido à natureza da nossa oferta.
Os acordos bilaterais não vão resolver nosso problema. É caso de falta
de alternativa. O lugar permanente
no Conselho de Segurança é ainda
mais improvável. O governo faz bem
em tentar, mas falhou em convencer
a opinião de que o custo do esforço
não é exorbitante. A integração comercial e energética da América do
Sul escapou-nos do alcance devido à
radicalização Chávez-Morales e à
fragmentação do continente.
Nos dois primeiros casos, a falha é
menos de substância e mais de incapacidade de gerar consenso em torno das políticas atuais. Os erros de
avaliação e reação se concentram de
preferência no terceiro. Todos, contudo, exigem correções e idéias novas. Não se pode repetir o discurso
desses anos como se nada tivesse
mudado.
RUBENS RICUPERO, 69, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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