São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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RUBENS RICUPERO

Limites do poder

A diplomacia brasileira não tem poder para suas metas: OMC, Conselho da ONU e integração na América do Sul

TÊM O mesmo sentido a retirada israelense do Líbano e a reocupação de Bagdá por tropas americanas: ambas indicam os limites do poder de Israel e dos EUA. Para isso, basta comparar os objetivos anunciados e o que se conseguiu.
A invasão do Líbano visava: 1º) libertar os soldados capturados; 2º) destruir o poder ofensivo do Hizbollah; 3º) dissuadir a Síria e o Irã de continuarem a armar o "partido de Deus". Nenhum dos alvos foi atingido de modo satisfatório. O esforço de provar que a operação teve êxito não convenceu nem a opinião israelense. A razão é simples: a vitória não necessita de demonstração. Como no futebol, não adianta ser "campeão moral": ou se ganha ou não.
Na invasão do Iraque, todos os objetivos se revelaram falsos -as armas temidas, a ligação com Al Qaeda- ou inatingíveis em termos realistas -a conversão do Oriente Médio à democracia, a transferência do poder aos xiitas sem alienar os sunitas. O Iraque de Saddam tinha muitos problemas, só que o terrorismo não era um deles. Hoje livrou-se do tirano, mas é celeiro de terroristas e matadouro de inocentes. Aprovou-se constituição e governo ampliado, transferiu-se o controle a forças locais e o terrorismo piorou, obrigando os soldados americanos a voltar.
Israel e os EUA possuem poder militar para aniquilar os adversários em guerra convencional, o que de pouco serve quando a natureza da guerra ou dos objetivos depende sobretudo da diplomacia e da política. Ora, a estratégia americana exclui a priori engajar pela negociação atores decisivos como a Síria e o Irã.
Por outro lado, o uso e abuso da força aliena e radicaliza árabes e muçulmanos contra o objetivo israelense -a segurança dentro de território definido unilateralmente- e o americano -a remodelação da região de acordo com o modelo democrático ocidental.
Mesmo se fosse possível resolver a questão por meios militares, a prática vem se debatendo com dois obstáculos recorrentes. O primeiro é a invariável subestimação dos recursos necessários, visível no erro estratégico do secretário de Defesa Rumsfeld em pensar que teria uma vitória "barata", com pouca tropa e escassas baixas.
O segundo, conseqüência do anterior, é que, para dar certo, o custo teria de ser tão elevado em mortes, destruição e dinheiro que se tornaria moral ou politicamente inaceitável. É o que se viu no erro de cálculo de que o Hizbollah seria destruído pelo bombardeio aéreo e a operação terrestre limitada ao sul. Apesar de americanos e ingleses terem demorado o cessar-fogo, como o juiz que não apita o final para dar tempo ao gol decisivo, o esforço apenas redundou em maiores perdas de vida.
Em estratégia e diplomacia não basta que a meta seja desejável: é preciso que se possa atingi-la com custo razoável. Há casos raros em que só existe uma opção, ainda que desesperançada. A heróica resistência da Polônia à agressão nazista ou o levante do "ghetto" de Varsóvia são desses extremos. Fora disso, se a meta é pouco exequível, mas vale a pena tentar, convém persuadir a opinião pública de que não há alternativa melhor ou que o custo da tentativa não é excessivo.
A diplomacia brasileira enfrenta o dilema de não dispor de poder para alcançar suas três metas principais. A liberalização agrícola na Organização Mundial do Comércio depende dos EUA e da Europa, mas estamos certos em dar-lhe prioridade devido à natureza da nossa oferta. Os acordos bilaterais não vão resolver nosso problema. É caso de falta de alternativa. O lugar permanente no Conselho de Segurança é ainda mais improvável. O governo faz bem em tentar, mas falhou em convencer a opinião de que o custo do esforço não é exorbitante. A integração comercial e energética da América do Sul escapou-nos do alcance devido à radicalização Chávez-Morales e à fragmentação do continente.
Nos dois primeiros casos, a falha é menos de substância e mais de incapacidade de gerar consenso em torno das políticas atuais. Os erros de avaliação e reação se concentram de preferência no terceiro. Todos, contudo, exigem correções e idéias novas. Não se pode repetir o discurso desses anos como se nada tivesse mudado.


RUBENS RICUPERO, 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

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