São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Política para crescimento é "artificial", diz economista do Ipea

DA REPORTAGEM LOCAL

O economista Roberto Pires Messenberg, pesquisador do Ipea, ligado ao Ministério do Planejamento, qualifica como "artificiais" e "insustentáveis" as atuais políticas que sustentam o crescimento econômico.
Messenberg foi secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda nos três primeiros anos do governo Lula e ex-assessor da mesma secretaria no governo FHC. A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha. (FCZ)

 

FOLHA - Há um esgotamento do crédito como motor da economia?
ROBERTO MESSENBERG -
A aposta do governo era que o aumento do crédito gerasse elevação do consumo e da renda que desembocaria em crescimento da produção, do emprego e, principalmente, dos investimentos. Ou seja, que traria um efeito multiplicador e um círculo virtuoso. Discordo disso. Não se pode sustentar o crescimento assim, pois é preciso que a taxa geral de investimento cresça na mesma proporção, e não é o que temos visto. Além disso, o aumento do crédito ficou muito baseado nas classes pobres, que são mais sujeitas ao desemprego e a cálculos equivocados sobre juros e prestações.

FOLHA - O crédito é mais um elemento a balançar no tripé montado pelo governo para sustentar o crescimento? Ou seja: 1) crédito; 2) Bolsa-Família e programas assistenciais subsidiados pela Previdência; e 3) aumentos reais do salário mínimo e criação de mais empregos precários, com 90% pagando só até R$ 700?
MESSENBERG -
Muito disso tudo fez parte de um processo de transferência de renda promovido pelo setor público. Os programas assistencialistas injetaram um poder de compra maior na economia. Isso dá um gás no consumo e faz com que o ritmo seja mantido por algum tempo. Mas é insustentável. Pois, de outro lado, essas transferências causaram um problema de déficit público. E não contaminaram o ânimo empresarial para um investimento substantivo. Não vejo isso pela frente. É um equilíbrio instável e precário o que temos. No crédito, certamente os números mostram que as taxas são continuamente cadentes. Como o crédito à pessoa física desacelerou, a política do governo agora é alavancar o crédito direcionado, principalmente em habitação e no setor rural.

FOLHA - Há também um teto, não?
MESSENBERG -
Exatamente. No momento atual, já temos os créditos de repasses diretos do BNDES desacelerando bastante e, embora os setores imobiliário e rural ainda cresçam, eles começam a ter taxas cadentes. E não compensam mais a desaceleração do crédito. Claramente, o que o governo está fazendo é tentar, através do crédito direcionado, elevar a taxa de investimento para trazer um círculo virtuoso à tona.

FOLHA - Isso pode acontecer?
MESSENBERG -
Não creio. A economia continua muito volátil, e o investimento depende de um horizonte de cálculo que falta no momento. O governo está tentando algo nessa linha. A frase do ministro [Guido] Mantega [Fazenda], de chamar o "espírito animal" dos empresários para investir, tem esse objetivo. É tentar acender o espírito deles para que invistam e dêem sustentação a um movimento generalizado de consumo na economia, colocando-a em um círculo virtuoso. Eles estão vendo que o crédito à pessoa física está desacelerando e que, se nada for feito, tudo vem para baixo mesmo. Daí a tentativa de fazer o mesmo agora com os créditos direcionados. Mas tudo ainda se sustenta com um equilíbrio precário, e o empresariado percebe isso muito bem. Tudo depende de o investimento privado engatar. E ele não está engatando na medida necessária para que se tenha um crescimento sustentável. Isso demandaria mais investimento público, corte em gastos correntes, corte em programas assistencialistas e ajustes na Previdência. Mas são exatamente essas coisas que estão provocando uma transferência de renda do setor público e dando um gás ao consumo.

FOLHA - É uma transferência de dinheiro público dando gás ao consumo e fazendo com que a economia vá para a frente de forma artificial?
MESSENBERG -
De certa maneira é artificial, pois você não tem ao mesmo tempo espaço para fazer o investimento público crescer de tal forma a dinamizar o investimento privado e tornar tudo mais consistente. Está se dando um gás para o consumo das famílias, que se alavanca com o crédito. Mas o fôlego não é grande o suficiente para que o investimento privado cresça de forma significativa e torne tudo consistente. Até porque essas políticas tolhem um pedaço do crescimento do investimento público, que seria necessário para que o investimento privado fosse atrás e se materializasse. Aí, não temos um círculo virtuoso. É o nó do setor público. Estamos comprimindo ou já comprimimos tudo em termos de investimento público para bancar um aumento de gasto com transferências e pagar os programas assistenciais, a Previdência e os juros da dívida. E a despesa com juros gera outra transferência do governo, que faz com que seja pressionado a cortar mais o investimento público.


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