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São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O paradoxo da concorrência no gás natural

GESNER OLIVEIRA

O governo federal adiou mais uma vez a definição das regras e da situação das agências reguladoras para os segmentos de infra-estrutura. Enquanto se procrastinam pontos essenciais para o investimento, o projeto de reforma tributária vai de vento em popa, apesar de suas inúmeras distorções em prejuízo do emprego e da produção.
O sistema federativo dá pelo menos autonomia no plano estadual para várias áreas importantes, como é o caso do gás natural, regulado em São Paulo pela CSPE (Comissão de Serviços Públicos de Energia). A CSPE realizou nesta semana audiência pública para definir a revisão das tarifas previstas nos contratos de concessão.
Em contraste com o debate no plano federal, não há questões existenciais acerca da absoluta necessidade das agências reguladoras e de regras estáveis para a inversão produtiva. Nunca se cogitaram, por exemplo, idéias absurdas como a de extinção das agências.
A CSPE reúne, por sua vez, alguns atributos mínimos necessários para exercer seu papel de regulador do mercado. Diferentemente daquilo que ocorreu no setor elétrico na administração passada, a criação da CSPE e a instituição do Programa Estadual de Desestatização precederam a venda da Comgás (Companhia de Gás de São Paulo).
Na audiência pública realizada pela CSPE, a discussão aberta e preponderantemente técnica contrastou com a balbúrdia gerada na discussão dos indexadores das tarifas de telefonia no plano federal em virtude da interferência do Ministério das Comunicações.
A experiência internacional, especialmente a dos EUA, tem revelado que o mecanismo da audiência pública, quando bem conduzido, pode ser um instrumento útil de debate e entendimento pela opinião pública das complexas questões envolvidas na regulação da infra-estrutura.
A definição da tarifa do gás natural, por exemplo, requer critério e consistência com o processo de privatização. Uma vez realizadas as inversões necessárias para a expansão do setor, não pode haver um súbito descolamento entre a fixação da tarifa e o preço mínimo definido para a privatização atualizado pela correção monetária e com os devidos ajustes para a depreciação e novos investimentos realizados. A previsibilidade e a consistência ao longo do tempo da regulação constituem o mecanismo mais eficaz para expandir a capacidade produtiva.
E é exatamente isso o que o setor de gás natural precisa. O gás natural ainda representa muito pouco da matriz energética. Segundo a Petrobras, a participação do gás natural na matriz energética nacional é de cerca de 3%. A energia elétrica e o petróleo e derivados respondem por 41% e 36%, respectivamente.
Há muito que se fala em uma expectativa de que a utilização do gás cresça para um patamar de 12% em 2010. No mundo, tal participação é de 19%, esperando-se 25% em 2010. Na Argentina e nos EUA, esses percentuais chegam a 47% e 24%, respectivamente.
A descoberta recente pela Petrobras de uma reserva de 419 bilhões de metros cúbicos de gás natural na bacia de Santos comprova, de uma vez por todas, o potencial do setor. Trata-se de reserva maior do que a soma das reservas de gás natural conhecidas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), de 236 bilhões de metros cúbicos. Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, a exploração dessa reserva poderia gerar uma produção diária de 42 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, mais do que os 30 milhões de metros cúbicos que o Brasil pode importar diariamente da Bolívia.
Segmentos ainda incipientes como o de gás natural e que precisam se expandir requerem uma visão francamente pró-investimento por parte do regulador. A imposição de controles muito estritos, supostamente em nome da concorrência e do consumidor, terminam por comprometer a constituição de uma rede ampla que acentue a competição do gás com outros energéticos como o óleo combustível. Por sua vez e paradoxalmente, é a ausência dessa rede capilarizada o principal obstáculo para que se obtenham os benefícios da concorrência.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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