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OPINIÃO ECONÔMICA
Cruzamento com a Brasil
JOÃO SAYAD
Avenida Brasil, cruzamento
com a avenida Rebouças. Vindo
do Ibirapuera, olhe à esquerda:
um grande luminoso eletrônico
pode distraí-lo enquanto espera
abrir o sinal.
"Faz shhh quando há vazamento", anuncia a Lorenzetti.
Depois, anúncio do Denarc que
protege nossos filhos na escola
contra os traficantes de droga, e
do CET, que ordena: "Nunca
feche o cruzamento".
Na rua, simpáticas donas-de-casa, gordas e sorridentes, vendem panos-de-prato
imaculadamente brancos.
Não é o único luminoso eletrônico. Há outro, mais à esquerda e mais abaixo, na avenida Rebouças, calçada oposta
à agência do Itaú. Esse é mais
moderno, mas de manhã a luz
do sol não deixa ver os anúncios que exibe.
Se vier pela rua Henrique
Schaumann, na direção oposta,
a visão é diferente. Do lado esquerdo, na calçada do McDonald's, há um grande cartaz,
móvel, não luminoso. Ali fazem
propaganda no período das
eleições ou em outras épocas do
ano, anunciam carros e tênis.
Onde vão andar tantos carros?
Desse lado do cruzamento, é
um pessoal diferente. Às vezes,
muitos policiais militares. Outras vezes, homens sorridentes e
simpáticos, de bem com a vida
mesmo em cadeiras de rodas.
Você encontra meninos e meninas sujos e mal vestidos lavando os vidros dos carros à
revelia dos motoristas que
mantêm os vidros fechados. Alguns xingam, outros deixam lavar sem pagar, outros pagam.
As crianças lavam os pára-brisas e se sentam nas jardineiras centrais da avenida. Nos
dias frios, sentam juntinhas, tiritando de frio.
O trânsito é sempre congestionado. Os cartazes eletrônicos se
multiplicam, eram dois, já são
quatro e logo, logo vão surgir
mais. Há mais um na Rebouças
com a Pedroso de Morais, outros mais acima na Henrique
Schaumann.
O espaço público -duas avenidas importantes de São Paulo
no meio dos bairros mais ricos
da cidade- vai sendo ocupado
desordenadamente pela concorrência.
Anúncio, mais anúncio, mais
anúncio. Um anula o outro. É
como se, no estádio, uma pessoa
se levantasse para enxergar melhor. Todos se levantam, ninguém enxerga nada.
Chamam isso de jogo de soma
zero. Os anunciantes jogam dinheiro fora. A cidade fica mais
feia. Em São Paulo o espaço público não é de ninguém.
Além dos anúncios, os pobres
também concorrem pelo espaço
público. São as pessoas que, segundo a sabedoria técnica dos
nossos tempos, deveriam ir à escola e aprender a ler e a usar
micro para arranjar emprego.
Não tenho tanta esperança.
Acho que elas já sabem ler e
não têm emprego mesmo assim.
Ou então pequenos empresários, vendendo flores, bichos de
pelúcia, frutas. O vigor da iniciativa privada desperdiçado
nas esquinas congestionadas de
São Paulo.
São muitos carros e anúncios
de novos lançamentos. Muitos
anúncios, disputando a atenção
do motorista e vendendo coisas
inúteis. Muitos pobres pedindo
esmola.
O cruzamento decifra o enigma do país. Espaço público invadido desordenadamente por
interesses privados, gente humilde tentando sobreviver no
meio de tudo isso e muitos,
muitos carros.
A única coisa realmente pública que sobrou é uma bandeira do Brasil. Está hasteada no
estacionamento do McDonald's. Provavelmente é proibido hastear a bandeira lá.
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração da
USP e ex-ministro do Planejamento (governo
José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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