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OPINIÃO ECONÔMICA
Dom Luiz Flávio Cappio
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Escolhi um tema espinhoso
para o artigo de hoje. No momento em que escrevo esta frase,
são 16h30 de quarta-feira (ontem)
e ainda não sei direito como encaminhar o artigo. Já me arrependo
da escolha. Não sei, francamente,
se estou à altura do assunto.
Venho de família e formação católicas, mas não sou praticante.
Não quero tratar a religião dos
outros de forma ligeira. Mas, como
muitos brasileiros, fiquei profundamente impressionado com a
greve de fome do bispo de Barra,
dom Luiz Flávio Cappio, contra o
projeto de transposição do São
Francisco e pela revitalização do
rio. Impressionado não só com o
seu impacto social e político mas,
sobretudo, com o aspecto humano
e religioso do que a CNBB chamou
de "gesto profético".
A mais importante revista semanal de economia do mundo, "The
Economist", publicou uma reportagem sobre o tema, sob o título "O
bispo e o santo". A revista comenta que "os opositores do projeto
encontraram um Gandhi" e que,
diante da imensa repercussão do
gesto de dom Luiz, "talvez só um
ditador consiga mudar o curso do
São Francisco".
Na quarta-feira da semana passada, dia de Nossa Senhora Aparecida, fui à missa que dom Luiz
rezou em São Paulo, no convento
de São Francisco. Quando cheguei, a igreja estava totalmente lotada. Não vi nenhum político, nenhuma celebridade. Lá estavam
praticamente só pessoas do povo.
Nunca assisti a missa tão bonita.
O ambiente era tranqüilo, de comoção contida, sem exaltação ou
fanatismo. Dom Luiz entrou e percorreu a nave da igreja envolto pelo carinho e pela emoção do povo,
que cantava e agitava no ar os folhetos de missa. Ao fundo, o belo
altar barroco, banhado por uma
luz dourada. A cerimônia teve instantes eletrizantes. Por exemplo: o
Pai Nosso, que dom Luiz rezou
acompanhado de todos, em dois
momentos da missa. O leitor talvez não consiga imaginar o impacto emocional do simples "Pai
Nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome...", rezado
naquela atmosfera de devoção intensa e comovida.
Dias depois, li com emoção renovada um relato de Leonardo Boff,
publicado no "Jornal do Brasil",
que me fez entender melhor a força daquela oração. Dom Luiz foi
aluno de teologia de Boff em Petrópolis e ficou devendo um trabalho de fim de curso. No último dia,
antes de ser transferido para São
Paulo, ele colocou por baixo da
porta do seu professor uma página
em que se lia: "Depois de cinco
anos de estudo, reflexão e oração,
foi o que restou da minha teologia". E transcrevia, em grego, latim e português, o Pai Nosso.
Desde aquela época, conta Boff,
ele se destacava por uma aura de
simplicidade e santidade. Na missa que assisti, a homilia de dom
Luiz foi perfeita. Nada da retórica
enfática do pregador, nenhuma
grandiloqüência ou frase de efeito.
As suas palavras foram de uma
simplicidade intensa e comovente.
O que ele quis basicamente foi explicar que a sua decisão radical de
fazer greve de fome, se necessário
até a morte, não violava os princípios da moral cristã. Citou passagem do Evangelho segundo são
João, em que Jesus diz que "o bom
pastor dá a vida pelas suas ovelhas". Reafirmou a sua vontade de
viver e disse: "Falaram que eu buscava o suicídio -coitadinhos".
Nesse momento, foi interrompido
por palmas, palmas e palmas, a
não mais terminar.
O povo compreendeu a radicalidade do seu gesto e está com ele.
Depois que negociou com o governo a suspensão do jejum, dom
Luiz reafirmou publicamente, em
várias ocasiões, a sua disposição
de retomá-lo, caso o governo não
cumpra o acordo feito na ocasião.
Esse acordo foi negociado, no 11º
dia da greve de fome, em reunião
de cinco horas entre dom Luiz e o
ministro Jaques Wagner. Os termos foram expressamente autorizados pelo presidente da República.
O ponto mais importante e delicado é a decisão do governo de
"prolongar o debate" sobre a
transposição das águas do São
Francisco, "ainda na fase anterior
ao início de obras, para o esclarecimento amplo de questões que
ainda suscitem dúvidas e divergências".
Como tudo o que envolve política e políticos, o acordo carrega a
marca da ambigüidade. Dom
Luiz entende que o início do projeto foi suspenso. O governo nega essa interpretação.
Pedir grandeza ao atual presidente da República é perda de
tempo. Mas uma coisa me parece
clara: assim como dom Luiz, o presidente Lula não tem inclinação
para o suicídio.
Assim sendo, é bem possível que
ele já tenha decidido adiar, por
tempo indeterminado, o projeto
de transposição do São Francisco.
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
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