São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

Engenharia financeira e crise

A premiação do Banco do Brasil pela LatinFinance e pelo IFR Awards, pelas operações de emissão de bônus no mercado internacional, chama a atenção para as possibilidades que o mercado financeiro abre para soluções criativas, mesmo em período de escassez de capitais que caracterizou 2002.
Em junho passado, em plena crise cambial, com o risco Brasil superando 1.600 pontos (isto é, 16 pontos percentuais acima da taxa básica norte-americana), o BB fez uma emissão, o que já era um milagre. Mais: o custo foi de 60 pontos acima da "libor".
Foram três grandes operações (US$ 300 milhões, US$ 450 milhões e US$ 300 milhões) e uma menor (US$ 40 milhões). As últimas saíram a um custo inferior a 7% em dólar, para prazo de sete anos.
Para as primeiras, o lastro da emissão eram as ordens de pagamento de decasséguis. No caso da última, de US$ 450 milhões, foi de sete anos, tendo como lastro as remessas de brasileiros nos Estados Unidos. Todas tiveram "rating" BBB+.
A nova operação seguiu os procedimentos anteriores, com uma variação. Tentou-se o triplo A, para aproveitar brechas na composição da carteira dos investidores. Essa qualificação é para papéis com menor risco. Para chegar a ela, decidiu-se acrescentar um seguro de risco-país.
A segunda parte da estratégia consistiu em um trabalho pessoal de esclarecimento dos investidores, para tirá-los da ditadura das agências de risco.
Diretores do banco fizeram o "road show", explicando a cada investidor a operação, as condições do banco e do país, os avanços conquistados nos últimos anos e as perspectivas futuras. Essa mesma apresentação foi feita para a Aambac, a seguradora. Quando se juntaram o lastro das operações com o seguro de risco-país e os esclarecimentos, os custos despencaram. Além da redução do "spread", o momento internacional ajudou porque a "libor" vai equivaler a um T-Bond em torno de pouco mais de três pontos.
É importante notar que, com todo o alarde em torno do encolhimento dos créditos à exportação, não se sabe de caso de empresa brasileira que deixou de exportar por falta de financiamento. Isso porque o mercado agiu de maneira criativa para suprir as necessidades do momento.

Dívida pública
A respeito da coluna "O dogma da dívida pública", sobre a relação entre desvalorização cambial e aumento da relação dívida pública/PIB com base em estudos do economista Paulo Tenani, do Citigroup Asset Management, algumas observações adicionais.
Segundo Tenani, como a proporção de produtos dolarizados do PIB (30%) é maior do que a proporção de ativos dolarizados da dívida pública (25%), uma desvalorização cambial deveria provocar a redução da proporção dívida pública/PIB -e não o contrário. Com o aumento dos preços (em reais) dos produtos dolarizados, há um aumento no PIB nominal que mais do que compensaria o aumento da dívida nominal.
Fábio Werneck Magalhães observa que a premissa estaria correta se a contaminação da inflação pelo dólar fosse igual à desvalorização cambial. O pessoal do Banco Central lembra que a premissa correta a ser utilizada é a taxa real de juros. Ou seja, a inflação reduziria a proporção dívida líquida/PIB se a taxa de juros real caísse. Como ela é mantida ou até cresce após a desvalorização cambial, a premissa inicial fica prejudicada.

E-mail- lnassif@uol.com.br


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