|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Flexibilizar, verbo inadequado
BENJAMIN STEINBRUCH
Flexibilizar é uma palavra
muito usada no moderno vocabulário do economês. Em geral,
substitui outros verbos, como eliminar, modificar ou revogar. Alguns linguistas mais conservadores não gostam desse verbo porque o consideram um neologismo
dúbio, utilizado frequentemente
por pessoas do governo quando
pretendem propor uma mudança
drástica, mas sem chocar a opinião pública.
Nos últimos dias, o verbo flexibilizar tem sido usado por autoridades de alguns Estados que sugerem alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. Muitos governadores recém-empossados
encontraram as finanças estaduais em péssimas condições,
com cofres vazios, contas a pagar,
dívidas vencidas e salários dos
servidores atrasados.
Apavorados, alguns desses governadores tentaram rever contratos que seus antecessores assinaram nos últimos anos para renegociar dívidas com a União.
Tais contratos em geral prevêem
que os Estados devem destinar
13% de suas receitas para amortizar a dívida, o que constitui pesado ônus. Para São Paulo, por
exemplo, isso significa R$ 4,5 bilhões neste ano.
Para mudar os contratos, porém, seria preciso flexibilizar a
Lei de Responsabilidade Fiscal,
que não permite a renegociação.
Ou seja, o verbo flexibilizar, nesse
caso, significaria rasgar a lei, o
que efetivamente não é uma boa
idéia, porque ela representou um
importante avanço em matéria
de moralidade e cuidado na administração pública.
O que se chama pomposamente
de responsabilidade fiscal é um
conceito bastante simples: o administrador só pode gastar o dinheiro que arrecada. Se não há
como obter empréstimos em condições razoáveis, por razões variadas, a única saída é reduzir as
despesas para o tamanho das receitas. Essa regra vale para qualquer administrador público, assim como vale para gestores de
empresas privadas, para proprietários de botequins e até para donas-de-casa.
Para os governadores que se assustaram com a situação precária
das finanças estaduais, o melhor
caminho é fugir da tentação de
tomar medidas demagógicas. Os
bons exemplos de saneamentos financeiros feitos nos últimos anos
em alguns Estados como Ceará,
São Paulo e Bahia mostram que
não se ganha popularidade com
medidas demagógicas. Elas podem até funcionar num primeiro
momento, mas invariavelmente
fracassam no longo prazo.
Mário Covas, por exemplo, imprimiu ritmo austero no início do
seu governo, em 1995, e perdeu
mais da metade do apoio popular
que lhe havia garantido quase 10
milhões de votos em 1994. Enfrentou greves, foi xingado e até atingido por ovos e tomates nas ruas.
Depois que começaram a aparecer os resultados, porém, reelegeu-se em 1998 e avalizou, mesmo
após sua morte e a despeito do furacão petista que varreu o país, a
vitória de seu vice, Geraldo Alckmin, no ano passado.
Os novos governadores que encontraram o Estado na penúria
precisam trilhar esse mesmo caminho. Sua tarefa principal deve
ser eliminar o déficit orçamentário, ou seja, passar a gastar apenas aquilo que arrecadam. Controlar a folha de pagamento, cortar gastos e adiar investimentos
são medidas indispensáveis em situações como essa. Até porque a
Lei de Responsabilidade Fiscal
não permite fazer nada diferente
disso. Pela lei, editada em maio
de 2000, há limites rigorosos para
as despesas. Os gastos com pessoal
não podem ultrapassar 60% da
receita líquida e nenhum governante pode criar despesa continuada (por mais de dois anos)
sem indicar a fonte de receita ou
reduzir gastos existentes.
A idéia de flexibilizar a lei, aparentemente bem-intencionada,
mais atrapalha do que ajuda os
governadores, porque os estimula
a deixar para depois o saneamento financeiro de seus Estados. E
não adianta adiar a penitência.
Quando antes ela for feita, melhor. Assim, os resultados poderão
surgir mais rapidamente do que
se imagina.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Previsão de bancos para indicadores melhora Próximo Texto: Teles: Mexicanos podem comprar a BSE Índice
|