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São Paulo, terça-feira, 21 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Flexibilizar, verbo inadequado

BENJAMIN STEINBRUCH

Flexibilizar é uma palavra muito usada no moderno vocabulário do economês. Em geral, substitui outros verbos, como eliminar, modificar ou revogar. Alguns linguistas mais conservadores não gostam desse verbo porque o consideram um neologismo dúbio, utilizado frequentemente por pessoas do governo quando pretendem propor uma mudança drástica, mas sem chocar a opinião pública.
Nos últimos dias, o verbo flexibilizar tem sido usado por autoridades de alguns Estados que sugerem alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. Muitos governadores recém-empossados encontraram as finanças estaduais em péssimas condições, com cofres vazios, contas a pagar, dívidas vencidas e salários dos servidores atrasados.
Apavorados, alguns desses governadores tentaram rever contratos que seus antecessores assinaram nos últimos anos para renegociar dívidas com a União. Tais contratos em geral prevêem que os Estados devem destinar 13% de suas receitas para amortizar a dívida, o que constitui pesado ônus. Para São Paulo, por exemplo, isso significa R$ 4,5 bilhões neste ano.
Para mudar os contratos, porém, seria preciso flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que não permite a renegociação. Ou seja, o verbo flexibilizar, nesse caso, significaria rasgar a lei, o que efetivamente não é uma boa idéia, porque ela representou um importante avanço em matéria de moralidade e cuidado na administração pública.
O que se chama pomposamente de responsabilidade fiscal é um conceito bastante simples: o administrador só pode gastar o dinheiro que arrecada. Se não há como obter empréstimos em condições razoáveis, por razões variadas, a única saída é reduzir as despesas para o tamanho das receitas. Essa regra vale para qualquer administrador público, assim como vale para gestores de empresas privadas, para proprietários de botequins e até para donas-de-casa.
Para os governadores que se assustaram com a situação precária das finanças estaduais, o melhor caminho é fugir da tentação de tomar medidas demagógicas. Os bons exemplos de saneamentos financeiros feitos nos últimos anos em alguns Estados como Ceará, São Paulo e Bahia mostram que não se ganha popularidade com medidas demagógicas. Elas podem até funcionar num primeiro momento, mas invariavelmente fracassam no longo prazo.
Mário Covas, por exemplo, imprimiu ritmo austero no início do seu governo, em 1995, e perdeu mais da metade do apoio popular que lhe havia garantido quase 10 milhões de votos em 1994. Enfrentou greves, foi xingado e até atingido por ovos e tomates nas ruas. Depois que começaram a aparecer os resultados, porém, reelegeu-se em 1998 e avalizou, mesmo após sua morte e a despeito do furacão petista que varreu o país, a vitória de seu vice, Geraldo Alckmin, no ano passado.
Os novos governadores que encontraram o Estado na penúria precisam trilhar esse mesmo caminho. Sua tarefa principal deve ser eliminar o déficit orçamentário, ou seja, passar a gastar apenas aquilo que arrecadam. Controlar a folha de pagamento, cortar gastos e adiar investimentos são medidas indispensáveis em situações como essa. Até porque a Lei de Responsabilidade Fiscal não permite fazer nada diferente disso. Pela lei, editada em maio de 2000, há limites rigorosos para as despesas. Os gastos com pessoal não podem ultrapassar 60% da receita líquida e nenhum governante pode criar despesa continuada (por mais de dois anos) sem indicar a fonte de receita ou reduzir gastos existentes.
A idéia de flexibilizar a lei, aparentemente bem-intencionada, mais atrapalha do que ajuda os governadores, porque os estimula a deixar para depois o saneamento financeiro de seus Estados. E não adianta adiar a penitência. Quando antes ela for feita, melhor. Assim, os resultados poderão surgir mais rapidamente do que se imagina.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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