São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Condutor conduzido

Há uma certeza e uma dúvida sobre a economia. A certeza é que o mundo está em uma fase de exuberância irracional. A dúvida é sobre quanto tempo dura essa farra.
As taxas de juros norte-americanas estão em níveis insustentavelmente baixos; as brasileiras, em níveis insustentavelmente elevados. Esse diferencial acaba trazendo para o país uma montanha de dólares, que impacta a cotação da moeda. Como é uma situação absolutamente inusitada, que não tende a se repetir no tempo, obviamente o dólar resultante dela não é o de equilíbrio.
Por isso mesmo, o Banco Central se viu compelido a entrar no mercado recompondo reservas, a fim de impedir que essa distorção comprometesse a taxa de câmbio de equilíbrio.
O tamanho da distorção é proporcional ao diferencial de juros. Quanto maior o diferencial, mais dólares chegarão ao país, mais dólares terão de ser comprados agora e mais dólares sairão quando ocorrer a inversão da euforia.
Ao manter as taxas de juros em patamares elevados, o BC consegue os seguintes resultados:
1) aumento ainda maior na dívida pública, pelo aumento dos juros;
2) necessidade de ir a mercado comprar dólares para aumentar as reservas e, ao mesmo tempo, impedir a queda das cotações. Quanto maior a taxa interna de juros, maior o fluxo de dólares a ser enxugado;
3) além do custo da dívida pública, há um custo fiscal das reservas cambiais, correspondendo ao diferencial entre as taxas de juros da dívida pública e a taxa de remuneração das reservas, já que os reais que entram na economia terão de ser esterilizados pela venda de títulos públicos.
Em um quadro de excesso de liquidez, com o mercado ganhando dinheiro a rodo, haveria espaço para o Banco Central aplicar políticas mais ousadas de redução das taxas. No entanto não se usa essa possibilidade.
Quando entrou no BC, Armínio Fraga montou um sistema para que o banco conseguisse conduzir as expectativas do mercado. Com a crise de 2002, o mercado levou as rédeas aos dentes. Superada a crise, o correto seria o BC retomar as rédeas do processo. Até porque o estouro da boiada, quando passar a fase da exuberância irracional, se dará em torno das dúvidas sobre a dívida pública.
Aí falta BC. No ano passado, quando todo o mercado esperava um corte maior da taxa Selic e a própria Fazenda trabalhava internamente com hipóteses de até três pontos de corte, o BC cortou apenas meio ponto. Falta grandeza à atual diretoria do banco para se impor ao mercado.
A imagem que há, na própria equipe da Fazenda, é a de um presidente de BC que se comporta como CEO de uma multinacional, rodeado por uma diretoria submissa que lhe dispensa tratamento reverencial ("senhor presidente") e não ousa questionar nenhuma afirmação, nem mesmo análises esdrúxulas sobre a realidade do mercado, como a de que, ao definir a compra de reservas, o BC não iria interferir nas cotações da moeda.
O único que não tinha receios de apontar incongruências do chefe era Beny Parnes. Sem ele, a única esperança de maior ousadia do BC é a partir de pressões de cima.

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