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RUBENS RICUPERO
O estado do mundo
O mundo de 2007 é muito mais perigoso do que em qualquer dos dez anos entre o fim do comunismo e o 11/9
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EM MATÉRIA de mudança climática ou Oriente Médio, terrorismo ou armas nucleares, o mundo de 2007 é muito mais perigoso do que em qualquer dos dez anos
entre o fim do comunismo e os atentados do 11 de Setembro. Mais calamitosa das decisões do início do século, a invasão do Iraque agravou os
problemas antigos, criou novos e não
resolveu nenhum.
Foi "a guerra errada contra o inimigo errado". Desviou a atenção da
mãe de todas as ameaças: o aquecimento da Terra. Criou uma frente
diversionista que enfraqueceu a estratégia correta para combater o terrorismo -a paciente coordenação internacional dos esforços das organizações policiais e de informações contra Al Qaeda e movimentos similares. Em lugar disso, inventou um
dragão de mentira -o Iraque, onde
não existia terrorismo- e, tal o
aprendiz de feiticeiro, acabou por
criar um monstro de verdade -o Iraque convertido na base principal dos
terroristas.
Prometeu refazer o mapa do
Oriente Médio sobre a base da democracia e da prosperidade. Deixa
como herança nova invasão destrutiva do Líbano por Israel; palestinos
e iraquianos a se massacrarem em
guerras civis; recrudescimento da
guerrilha no Afeganistão; violência
no vasto arco que vai de Cabul ao sul
da Somália.
O abuso pelos EUA dos bombardeios aéreos e armas eletrônicas
contra os recalcitrantes, primeiro
nos Bálcãs, em seguida no Afeganistão e no Iraque, induziu os ameaçados a acelerar programas nucleares a
fim de se protegerem com a dissuasão atômica. A julgar pelo tratamento de aliciamento dispensado à Coréia do Norte, a fórmula ainda funciona.
O teste definitivo sobre o que resta
de credibilidade ao TNP (Tratado de
Não-Proliferação Nuclear) virá do
desenlace que tiver o caso iraniano.
O Irã é, aliás, a chave de várias equações: a da não-proliferação, a do destino do Iraque xiita, a da posição do
Hizbollah na política do Líbano e na
paz com Israel e, de certo modo, na
do apoio a variantes do terrorismo
islâmico.
Esse papel central deve-se ao potencial de influência do Irã como poder regional e à disposição de Teerã
de utilizar tal capacidade para contestar a Pax Americana que se sonhou implantar no Oriente Médio,
mediante a destruição de Saddam
Hussein e a expulsão dos sírios do Líbano. Uma das inesperadas ironias
da guerra do Iraque é que a liquidação de Saddam eliminou o mais poderoso contrapeso ao governo dos
aiatolás. De um só golpe, promoveu
também a chegada ao poder em Bagdá de facções ligadas religiosa e politicamente aos iranianos, no único
outro país de maioria xiita que é
grande exportador de petróleo e tem
peso político importante na área.
Se a invasão do Iraque terminar
com a elevação de um Irã nuclear ao
status de potência regional predominante no Oriente Médio, a operação
passará à história como um dos mais
custosos fiascos da política exterior
americana. Tal resultado é plausível,
se deixarem o barco correr. Ao mesmo tempo, é inaceitável e absurdo do
ponto de vista dos responsáveis pela
intervenção. É isso que está na raiz
do ceticismo de alguns em relação
aos aparentes objetivos limitados da
atual escalada de 21 mil soldados.
Além de insuficientes para estabilizarem o Iraque (era esse o nível dos
efetivos em 2005), de nada servirão
para contra-arrestar a ascensão iraniana.
Existem duas maneiras de lidar
com potências revisionistas do "status quo" como o Irã. A preferível é a
diplomática, recomendada pelo grupo de trabalho de James Baker e rejeitada por Bush: explorar pela negociação se é possível acomodar as
pretensões de segurança e influência do contestatário.
O despacho de outra força de porta-aviões para o Golfo, a nomeação
de almirante para comandar o teatro de operações, a prisão de funcionários iranianos, o tom belicoso da
viagem da secretária de Estado sinalizam algo diverso. Lambendo as feridas das humilhações no Iraque e
no Líbano, sem apoio de suas opiniões públicas, Bush e Olmert ainda
não abandonaram a partida. A próxima jogada pode ser decisiva ou catastrófica, para eles e para o mundo.
RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad e ministro da Fazenda (governo
Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos,
nesta coluna.
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