São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Prevenir o quê?


Os dados indicam que o superávit externo não desempenha papel relevante na prevenção ao contágio


REZA O credo heterodoxo que a melhor defesa contra a crise seria a manutenção de saldos positivos nas contas externas, haja vista, por exemplo, a relativa resiliência da economia chinesa no atual contexto. No entanto, ainda que a China tenha se mostrado menos afetada pela crise internacional, essa afirmação, como sói acontecer, não se preocupou em passar pelo teste dos dados. Todavia a mera inspeção de uns poucos números parece, desde já, sugerir que essa ideia não reflete o que realmente se passa no mundo.
Precisamos, em primeiro lugar, definir uma medida que capture o efeito da crise sobre os diferentes países. A taxa de câmbio pareceria uma escolha óbvia, mas padece de pelo menos um problema: há países que a administram ativamente, seja pela sua fixação, seja pela definição de bandas formais ou informais. Nesse caso, pelo menos por enquanto, as taxas de câmbio não refletiram nenhuma deterioração, ainda que essa tenha ocorrido.
Por outro lado, a percepção de mercado acerca do risco de não-pagamento da dívida não sofre dessa dificuldade. Mesmo que países possam intervir (atuando no mercado de sua dívida soberana), suas condições de controlar os preços dos papéis são muito inferiores à capacidade de afetar suas moedas. Assim, definimos o impacto da crise pelo aumento do risco-país (medido pelo "Credit Default Swap" de cinco anos para os 11 países da amostra) entre agosto e dezembro do ano passado.
Salta imediatamente aos olhos que os países mais afetados são também países que registravam (até setembro de 2008) saldos bastante expressivos em conta corrente, de 2,4% do PIB (Argentina) a 8,5% do PIB (Rússia). Obviamente não se sugere que os superávits em conta corrente implicaram aumento do risco-país, mesmo porque a China -como lembrado- foi quem menos sofreu de acordo com nosso critério e também registrava um saldo positivo e elevado em conta corrente.
De fato, o que os dados indicam é que o superávit externo não desempenha papel relevante na prevenção ao contágio. Há entre os pouco afetados tanto países superavitários como deficitários, e o mesmo se aplica aos mais atingidos pela crise. Da mesma forma, ainda que países exportadores de petróleo estejam entre os mais afetados, a exposição a preços de commodities (exceto pela sua dimensão fiscal) também não aparenta ser a variável crucial para explicar a maior resistência à crise.
Na verdade, a resiliência à crise parece ser determinada pela qualidade geral de política econômica, variável mais difícil de ser definida por uma única medida, mas que envolve dimensões domésticas, em particular a solidez da política fiscal (incluindo o peso das commodities nas receitas do governo), a exposição da dívida pública e privada à taxa de câmbio e respeito às "regras do jogo", entre outras.
Vale dizer, trata-se de problema bem mais complicado que o slogan "déficit externo, ruim; superávit externo, bom", balido à exaustão pelos keynesianos de quermesse, mas passar do slogan à análise requer esforço superior ao que estão habituados.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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