São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

A maior das lutas

Lula acionou o botão vermelho, a última bala da agulha, mas mirou o alvo certo: o fim do bingo no país. Sabem-se lá quais serão as conseqüências, as retaliações, as fitas gravadas clandestinamente que virão à tona. Mas Lula assumiu o lado do país formal, com todos os riscos aí implícitos. Não há mais recuo possível e é hora de união geral contra o crime organizado e contra a economia clandestina dos grandes fundos financeiros internacionais que não tenham transparência sobre sua estrutura de investidores. Ou se parte para a tolerância zero com esse jogo ou não se vencerá a luta.
O segundo passo -depois do fechamento do bingo- deverá ser um ataque frontal em cima dos pontos centrais de sonegação: o mercado de cervejas, o que remanesce do mercado de distribuidoras de combustíveis que recorrem às liminares e as empresas "offshore", montadas em paraísos fiscais, com dinheiro pesado aplicado no país.
Há meses vêm sendo feitas denúncias contra a cervejaria Schincariol, partindo de constatações acacianas: o market-share dela no mercado é muito maior do que seu market-share no pagamento de tributos. Alguém precisa explicar isso, ou não?
Ontem, jornais do Paraná noticiaram a apreensão de várias carretas de cerveja destinada à exportação -portanto, isentas de tributos- sendo vendidas no mercado interno. Eram da marca Schincariol.
A empresa floresceu quando o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tomou a decisão de permitir a fusão entre a Brahma e a Antarctica, que praticamente matou a concorrência formal. Sonegação, em pequenos, pode ser a diferença entre a vida e a morte. Depois que atingiu o porte de média e grande empresa, como é o caso da Schincariol, o mínimo que as autoridades tributárias têm a fazer é esclarecer o porquê dessa discrepância entre vendas e pagamento de tributos.
A questão das contas CC5 é outra barbaridade. Assim como o bingo, elas permitiram que grande parte de dinheiro clandestino saísse do país e voltasse legalizado por esses fundos "offshore". Há uma função econômica legal para as contas CC5. Mas, a pretexto de preservar essa flexibilidade, elas se transformaram em uma grande lavanderia.
O Banco Central tem a estatística sobre o dinheiro que sai, mas nem ele nem a Receita tratam de apurar onde é aplicado. E tem a estatística do dinheiro que entra, mas não tem informações sobre quem é o investidor no paraíso fiscal.
Fala-se em sacrificar o país inteiro para que a economia ganhe o "investment grade" -o grau de confiança máxima dos mercados. Nos últimos dez anos confundiu-se liberalização financeira com desmonte do aparato regulador do Estado. Permitiu-se que dinheiro criminoso saísse do país pelas contas CC5 e voltasse, depois, pelas contas CC4 e por esses fundos montados em paraísos fiscais, sabe-se lá com que tipo de dinheiro.
O Ministério da Justiça está preparado para comandar a luta contra esse jogo. Resta, agora, o presidente da República bancar o verdadeiro jogo: o de impedir que o país caia sob o jugo do crime.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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