São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Choque cultural, como evitar

Três advogados brasileiros em Pequim relatam como negociar na China superando obstáculos culturais

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Três jovens advogados brasileiros são pioneiros na crescente relação econômica entre Brasil e China. Eles assessoram empresas dos dois países na instalação de filiais, contratos de sociedade e fornecimento, em como se defender da pirataria e até dão conselhos sobre a cultura local aos forasteiros. Rodrigo do Val Ferreira, 31, do escritório Felsberg e Associados, e Gustavo de Jacobina Rabello, 32, do escritório Noronha, vivem em Xangai há quatro e três anos, respectivamente, enquanto José Ricardo dos Santos Luz, 29, do Duarte Garcia e Associados, está há três anos em Pequim.
Eles dizem que é muito maior o número de chineses se informando sobre como investir no Brasil que o de brasileiros sobre a China e alertam sobre dois grandes obstáculos: a enorme diferença da cultura empresarial chinesa, "onde paciência é tudo", e a cara burocracia brasileira para a instalação de empresas chinesas. O Brasil já está entre os dez países com maior número de escritórios de advocacia com representação na China. Dos 188 escritórios estrangeiros autorizados no país, 83 são dos EUA e 24 do Reino Unido. Leia a seguir trechos da entrevista que os três advogados concederam à Folha.

 


BRASIL É CARO LUZ - O número de chineses querendo saber como investir no Brasil aumentou muito, mas todos reclamam de que é caro. Em linhas gerais, uma empresa chinesa que queira enviar um gerente para o Brasil para abrir a empresa, sem contratar um brasileiro, terá que investir US$ 200 mil por estrangeiro enviado. E ainda precisa encontrar um procurador local para assinar documentos, algo difícil para uma pequena ou média empresa.
RABELLO - Tenho sido procurado por empresas automobilísticas, de autopeças, químicas, farmacêuticas e até estatais que fazem máquinas de escavação e perfuração petrolífera para investir no Brasil, mais que brasileiros investindo na China. O problema é que elas sempre comparam com a abertura de uma empresa em Hong Kong, que leva sete dias, ou com os EUA, onde levariam menos de um mês, e percebem que pode levar quatro meses no Brasil.
LUZ - Na China, é bem mais simples. Com o equivalente a R$ 2.500, pode-se abrir um escritório de representação, chefiado por um brasileiro. Leva 30 dias, enquanto, em São Paulo, a mesma empresa leva 90 dias. O escritório desenvolve relacionamento com o governo chinês, começa a conhecer clientes e fornecedores, só não pode obter lucro. Facilita e barateia o primeiro contato da empresa com o novo país, é melhor do que já abrir uma fábrica de cara. Os impostos são baseados nas despesas com o custo de escritório e funcionários. Para abrir uma fábrica 100% estrangeira, sem participação chinesa, exigem-se R$ 7.500.
MAPA DO GOVERNO LUZ - Há um catálogo para investimentos feito pelo governo que estipula quais são os setores onde os investidores estrangeiros podem investir. Há setores proibidos e outros em que só se pode entrar em sociedade com empresários locais. E existem os setores incentivados, como novas tecnologias, pesquisa e desenvolvimento, energias renováveis, inovação, onde nos primeiros cinco anos não é cobrado IPTU.
Como os estrangeiros preferem as áreas portuárias, o leste do país, há o programa "China Goes West" ("A China Vai ao Oeste"), com mais incentivos. A Intel trocou Xangai por Chengdu por isso.
ANTIDUMPING RABELLO - O número de investigações contra produtos chineses no Brasil aumentou muito no ano passado. As câmaras chinesas de produtos como sapatos, tênis, malhas de viscose, pneus, tubos de PVC, seringas e outros sob investigação antidumping nos procuram para saber como se defender. Os chineses acham que são vítimas de preconceito, o argumento mais comum é que não existe dumping e que as empresas brasileiras não querem concorrência.
JUSTIÇA LOCAL RABELLO - Muita coisa na Justiça chinesa é recente. O Código Civil é de 1986, a lei contratual é de 1999, e a de propriedade intelectual, de 1994. Os centros de arbitragem [que faziam o papel de Justiça no início do comunismo] ainda são maioria.
MEDO FERREIRA - Muito empresário brasileiro vem em missões empresariais para cá, assusta-se com as dimensões, acha tudo complicado e nunca mais volta. É preciso que o empresário venha com mais tempo, não fique só nas feiras, visite fábricas. Por um bom tempo, a China será competitiva em preços, e a qualidade dos produtos já está aumentando.
TRIBUTAÇÃO RABELLO - Na China, há quatro impostos que todas as empresas pagam, o de valor agregado, o de renda, uma taxa de negócios e sobre as remessas ao exterior. Alguns outros setores possuem outras taxas, mas em geral menos que no Brasil.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: "É preciso uma ação preventiva contra pirataria"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.