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OPINIÃO ECONÔMICA
Inovar para voltar a convergir
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Na última coluna argumentei que a nova política industrial, tecnológica e de comércio exterior apresenta duas faces.
Uma bastante convencional; a
outra, centrada no fomento à inovação.
A face convencional, reunindo
linhas de crédito especiais, apóia
a exploração de oportunidades já
reveladas e responde a pressões e
a demandas dos interesses organizados. A outra, transformadora
e voltada para o futuro, não necessariamente tem em vista as
oportunidades econômicas já percebidas.
Por analogia, poderíamos
acrescentar que a dimensão
transformadora é da mesma natureza que o projeto de implantação da indústria do ferro por Visconde de Mauá, na segunda metade do século 19. A proposta se
justificava, não tanto porque o
Brasil tinha o minério, mas porque a atividade era, nas palavras
daquele visionário, a "mãe de todas as indústrias". Ou seja, assim
como a proposta centrada na disseminação da conduta inovadora, a implantação da siderurgia
visava a transposição para o Brasil daquilo que era então percebido como o motor do crescimento
nas economias avançadas.
Numerosas críticas e comentários insistem, no entanto, em nada ver de novo na política industrial que acaba de ser anunciada.
Até certo ponto, compreendo a
atitude daqueles que enxergam
apenas a face convencional da
nova política. Afinal, certas apresentações oficiais e, sobretudo, os
comentários na mídia realçam
quase exclusivamente as novas linhas de crédito -que, efetivamente, pouco ou nada têm de novo. Assim sendo, não haveria
mesmo como escapar de críticas
do tipo: não se deu a devida atenção a tais e tais setores ou mesmo
reabriu-se "o guichê de favores".
Indícios, contudo, de que convive
com o tradicional, algo de muito
novo, podem ser encontrados no
artigo intitulado "A Inovação no
Centro da Política Industrial",
publicado na véspera do lançamento da nova política e assinado pelos quatro ministros diretamente envolvidos na nova política ("O Estado de S.Paulo", 31 de
março de 2004). Ali se assume,
plenamente, que a nova política
"tem como foco impulsionar a
inovação".
Das muitas razões para que
uma quinada desse tipo seja tentada, duas apenas serão aqui destacadas.
No mundo desenvolvido, o consumo há muito deixou de ser
guiado por "necessidades". Nem
sequer parece ser hoje conduzido
por desejos de afirmação narcisística ou diferenciação social. De
fato os consumidores parecem cada vez mais surfar nas lojas, detendo-se aqui e ali para compras
"ocasionais, inesperadas e espontâneas". Diante desse comportamento, referido por Zigmund
Bauman (em "Consuming Life",
publicado no "Journal of Consumer Culture", vol 1, nš 1) como
"gasoso", que chances têm os produtos que não forem portadores
de propriedades intangíveis, de
traços que (momentaneamente,
pelo menos) cativem os consumidores? A resposta é bastante conhecida: terão que competir com
produtos indiferenciados, procedentes de países de baixos salários
e reduzidos impostos. Numa palavra: preços prêmio para a fantasia, o intangível, e os produtos
"inteligentes" versus cobertura estrita dos custos (os mais baixos do
mundo) para os produtos não-portadores de inovações.
Essa profunda mudança, em
acelerada progressão nos primeiros anos do século 21, ameaça colocar economias razoavelmente
industrializadas, como a do Brasil, num quebra-nozes. De um lado, os desenvolvidos, fortíssimos
na "produção de consumidores"
caros e exigentes e dos objetos de
seus desejos; do outro, economias
como a da China e da Índia, capazes de vender manufaturas a
preços imbatíveis.
Diante desse duplo desafio, o
apoio à inovação da nova política
industrial e tecnológica pode contribuir para que as empresas domésticas conquistem espaços, em
condições mais confortáveis, nos
mercados centrais. Pode também
ajudar as empresas locais a adaptar seus produtos às peculiaridades do mercado doméstico -e de
outras economias emergentes.
Mais que isso, ao transportar a
produção (vale dizer, a agregação
de valor) para as inesgotáveis
fronteiras do conhecimento e das
artes, oferece uma possibilidade,
talvez única, de que essa economia volte a "convergir", crescendo, para tanto, como de 1947 a
1980, mais rápido que as economias centrais.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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