São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Inovar para voltar a convergir

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Na última coluna argumentei que a nova política industrial, tecnológica e de comércio exterior apresenta duas faces. Uma bastante convencional; a outra, centrada no fomento à inovação.
A face convencional, reunindo linhas de crédito especiais, apóia a exploração de oportunidades já reveladas e responde a pressões e a demandas dos interesses organizados. A outra, transformadora e voltada para o futuro, não necessariamente tem em vista as oportunidades econômicas já percebidas.
Por analogia, poderíamos acrescentar que a dimensão transformadora é da mesma natureza que o projeto de implantação da indústria do ferro por Visconde de Mauá, na segunda metade do século 19. A proposta se justificava, não tanto porque o Brasil tinha o minério, mas porque a atividade era, nas palavras daquele visionário, a "mãe de todas as indústrias". Ou seja, assim como a proposta centrada na disseminação da conduta inovadora, a implantação da siderurgia visava a transposição para o Brasil daquilo que era então percebido como o motor do crescimento nas economias avançadas.
Numerosas críticas e comentários insistem, no entanto, em nada ver de novo na política industrial que acaba de ser anunciada. Até certo ponto, compreendo a atitude daqueles que enxergam apenas a face convencional da nova política. Afinal, certas apresentações oficiais e, sobretudo, os comentários na mídia realçam quase exclusivamente as novas linhas de crédito -que, efetivamente, pouco ou nada têm de novo. Assim sendo, não haveria mesmo como escapar de críticas do tipo: não se deu a devida atenção a tais e tais setores ou mesmo reabriu-se "o guichê de favores". Indícios, contudo, de que convive com o tradicional, algo de muito novo, podem ser encontrados no artigo intitulado "A Inovação no Centro da Política Industrial", publicado na véspera do lançamento da nova política e assinado pelos quatro ministros diretamente envolvidos na nova política ("O Estado de S.Paulo", 31 de março de 2004). Ali se assume, plenamente, que a nova política "tem como foco impulsionar a inovação".
Das muitas razões para que uma quinada desse tipo seja tentada, duas apenas serão aqui destacadas.
No mundo desenvolvido, o consumo há muito deixou de ser guiado por "necessidades". Nem sequer parece ser hoje conduzido por desejos de afirmação narcisística ou diferenciação social. De fato os consumidores parecem cada vez mais surfar nas lojas, detendo-se aqui e ali para compras "ocasionais, inesperadas e espontâneas". Diante desse comportamento, referido por Zigmund Bauman (em "Consuming Life", publicado no "Journal of Consumer Culture", vol 1, nš 1) como "gasoso", que chances têm os produtos que não forem portadores de propriedades intangíveis, de traços que (momentaneamente, pelo menos) cativem os consumidores? A resposta é bastante conhecida: terão que competir com produtos indiferenciados, procedentes de países de baixos salários e reduzidos impostos. Numa palavra: preços prêmio para a fantasia, o intangível, e os produtos "inteligentes" versus cobertura estrita dos custos (os mais baixos do mundo) para os produtos não-portadores de inovações.
Essa profunda mudança, em acelerada progressão nos primeiros anos do século 21, ameaça colocar economias razoavelmente industrializadas, como a do Brasil, num quebra-nozes. De um lado, os desenvolvidos, fortíssimos na "produção de consumidores" caros e exigentes e dos objetos de seus desejos; do outro, economias como a da China e da Índia, capazes de vender manufaturas a preços imbatíveis.
Diante desse duplo desafio, o apoio à inovação da nova política industrial e tecnológica pode contribuir para que as empresas domésticas conquistem espaços, em condições mais confortáveis, nos mercados centrais. Pode também ajudar as empresas locais a adaptar seus produtos às peculiaridades do mercado doméstico -e de outras economias emergentes. Mais que isso, ao transportar a produção (vale dizer, a agregação de valor) para as inesgotáveis fronteiras do conhecimento e das artes, oferece uma possibilidade, talvez única, de que essa economia volte a "convergir", crescendo, para tanto, como de 1947 a 1980, mais rápido que as economias centrais.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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