São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Economista que criou o termo Bric diz que impedir o BC de manter a meta de inflação é a pior coisa que pode acontecer

ENTREVISTA JIM O'NEILL

"Perigo para a economia brasileira é interno"

A SEMANA que passou foi marcada por turbulências nos mercados emergentes, incluindo o Brasil. Mas, na avaliação do economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, o perigo potencial da economia brasileira é de caráter doméstico. "Impedir o BC de manter a meta de inflação é a pior coisa que poderia acontecer com o Brasil", disse. Para O'Neill, a manutenção do sistema de metas de inflação é o passaporte do Brasil para a entrada no seleto grupo das grandes economias. Pela projeção do banco, o Brasil poderá ser a quinta economia do mundo em 45 anos. Em 2001, o economista garimpou os países com prognósticos mais promissores em cada região do globo. O resultado foi a criação de um grupo de quatro países: Brasil, Rússia, Índia e China -os Brics. Com um crescimento a taxas bem menores que a dos seus companheiros de grupo, a piada recorrente entre economistas é a que o Brasil só foi incluído no grupo por começar com "B", o que garante uma boa sonoridade para a sigla Bric. O'Neill desmente. (CÍNTIA CARDOSO)

FOLHA - Como o senhor criou o termo Bric? Há especulações e piadas que sugerem que o Brasil foi incluído na sigla apenas por que a letra "B" comporia uma boa sonoridade.
JIM O'NEILL
- A piada é verdadeira. Foi só por isso mesmo que o Brasil foi incluído. [O economista ri]. A história verdadeira é que, em 2004, eu era o convidado de um encontro grande sobre fundos de pensão no Rio. Quando eu estava prestes a começar a palestra, sussurraram no meu ouvido a piada de que o Brasil só foi incluído na sigla por que o termo Brics soa bem. Desde então, a piada tem sido repetida. O termo em si foi criado por mim no final de 2001 por causa de dois motivos. Uma razão foi o 11 de Setembro. A outra foi que, na ocasião, eu acabava de assumir o departamento de economia do Goldman Sachs e escrevi um artigo chamado "The world needs better economic bricks" [em português, algo como o mundo precisa de melhores tijolos econômicos]. Para esse artigo, tentei escolher um grande e estratégico país de cada parte do mundo. Na Europa, estava óbvio que esse país era a Rússia. Na América Latina, era óbvio que seria o Brasil, mas, na Ásia, a escolha não era tão óbvia porque havia dois países. Por isso, decidi escolher os dois [China e Índia]. Foi assim que começou. A partir de então, tentamos visualizar como o mundo poderia mudar nas décadas vindouras. Alguns anos depois, escrevemos artigo em que tentamos ver como seria o mundo em 2050. Foi nessa ocasião que a história dos Brics ficou famosa.

FOLHA - Mas, de acordo com essas projeções para 2050, China e Índia vão dominar a cena econômica. O Brasil e a Rússia merecem estar num grupo com esses dois países?
O'NEILL
- Acho, que dentro dos Brics, China e Índia têm um nível próprio de crescimento potencial. As nossas análises mostram que, em 2040, a China poderá ser a maior economia do mundo e a Índia seria a terceira maior. A China, os EUA e a Índia serão muito maiores do que todos os outros. Sob esse ângulo, está claro que o Brasil e a Rússia não estão no mesmo nível que a Índia e que a China. Mas, se olharmos o grupo de países imediatamente próximos, Brasil e Rússia têm potencial de crescimento similar a Japão e Alemanha e, em 2040, as economias desses quatro devem ter o mesmo tamanho. Por isso, acho que o Brasil e a Rússia merecem estar nesse grupo. Outro ponto em favor do Brasil é que há algo que os mais céticos têm ignorado e é algo que os outros três países do grupo deveriam copiar: adotar metas de inflação. Acho que meta de inflação no Brasil tem tido um desenvolvimento fantástico. Armínio Fraga [ex-presidente do Banco Central] merece muito crédito por isso. A meta tem dado ao Brasil um grau de estabilidade que o país nunca teve. Isso dá uma condição enorme para que o Brasil cresça vigorosamente. Se olharmos o histórico, até os anos 80, o Brasil e Argentina eram os candidatos a se tornar grandes economias. Foi a hiperinflação que impediu isso. Por isso, acredito que a meta de inflação adotada pelo Brasil seja algo na direção certa e que deveria ser feito também por outros países.

FOLHA - Apesar da estabilidade, não há no Brasil nenhum sinal de crescimento vigoroso. Por que o país não consegue crescer como os seus pares emergentes?
O'NEILL
- O Brasil precisa fazer uma combinação de ações. A primeira é aumentar o desempenho da sua produtividade. Atrair mais investimentos estrangeiros diretos e ter uma economia mais aberta.

FOLHA - Muitos apontam que um obstáculo importante para o crescimento do Brasil é o alto nível do juro, mas há o temor da volta da inflação com cortes mais rápidos. Há como o país escapar dessa armadilha?
O'NEILL
- O Brasil está muito perto de viver um declínio significativo da taxa de juros. A credibilidade do sistema de metas de inflação está crescendo. Isso vai permitir ao governo do Brasil reduzir as taxas de juros e também vai reduzir a expectativa de inflação a longo prazo. Com o bom funcionamento desse sistema, o Brasil terá condições de sair dessa armadilha de alta dívida e altos juros. Estou muito entusiasmado quanto a essa possibilidade.

FOLHA - Quanto o Brasil deve crescer nos próximos anos?
O'NEILL
- Na nossa projeção, é importante levar em conta que o Brasil vai crescer 3,7%, em média, pelos próximos 45 anos. O país não precisa de crescimento miraculoso para se tornar grande. O que o Brasil precisa fazer é evitar crises. Entre 1980 e 2000, o Brasil viveu em crise perpétua. Se o Brasil evitar crises e mantiver uma taxa de crescimento próxima de 4%, em 2050 será tão grande -ou maior- que a Alemanha e estará no mesmo nível do Japão.

FOLHA - Uma característica do Brasil tem sido o crescimento "stop and go". O sr. acredita que o país possa crescer de modo continuado?
O'NEILL
- Sim. É por isso que enfatizo que a política de metas de inflação é tão importante. É uma grande contribuição para que o país interrompa esse ciclo de "stop and go". O Brasil deve manter um crescimento contínuo. Não deve se preocupar em crescer 5% ano ano. Aliás, isso demandaria que a produtividade crescesse muito.

FOLHA - Como fazer para aumentar a produtividade?
O'NEILL
- Mercado de trabalho flexível, empregados e empregadores trabalhando em arranjos de trabalhos mais criativos e não tão rígidos. É importante procurar novas oportunidades de negócio e não ficar tentando proteger setores não-competitivos. Esses são os ingredientes simples. Deixe a China ficar com a indústria têxtil.

FOLHA - Qual é o sonho dos Brics?
O'NEILL
- Brasil crescer pelas próximas quatro décadas a uma taxa anual de 3,7%. Se fizer isso, vai ser merecedor de estar no Brics e maior que qualquer economia da Europa ocidental.

FOLHA - E qual o maior obstáculo, do ponto de vista do Brasil, para o fim desse sonho?
O'NEILL
- Uma crise interna é o maior risco. Impedir o Banco Central de manter a meta de inflação é a pior coisa que poderia acontecer.
Se vocês no Brasil fizerem o que tem que ser feito, o resto dos problemas do mundo não terão tanta importância.


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