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Economista que criou o termo Bric diz que impedir o BC de manter a meta de inflação é a pior coisa que pode acontecer
ENTREVISTA
JIM O'NEILL
"Perigo para a economia brasileira é interno"
A SEMANA que passou foi marcada por turbulências nos
mercados emergentes, incluindo o Brasil. Mas, na
avaliação do economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, o perigo
potencial da economia brasileira é de
caráter doméstico. "Impedir o BC de
manter a meta de inflação é a pior coisa
que poderia acontecer com o Brasil",
disse. Para O'Neill, a manutenção do
sistema de metas de inflação é o passaporte do Brasil para a entrada no seleto
grupo das grandes economias. Pela projeção do banco, o Brasil poderá ser a
quinta economia do mundo em 45 anos.
Em 2001, o economista garimpou os
países com prognósticos mais promissores em cada região do globo. O resultado foi a criação de um grupo de quatro
países: Brasil, Rússia, Índia e China -os
Brics. Com um crescimento a taxas bem
menores que a dos seus companheiros
de grupo, a piada recorrente entre economistas é a que o Brasil só foi incluído
no grupo por começar com "B", o que
garante uma boa sonoridade para a sigla
Bric. O'Neill desmente.
(CÍNTIA CARDOSO)
FOLHA - Como o senhor criou o termo Bric? Há especulações e piadas
que sugerem que o Brasil foi incluído na sigla apenas por que a letra
"B" comporia uma boa sonoridade.
JIM O'NEILL - A piada é verdadeira. Foi só por isso mesmo que o
Brasil foi incluído. [O economista ri]. A história verdadeira
é que, em 2004, eu era o convidado de um encontro grande
sobre fundos de pensão no Rio.
Quando eu estava prestes a começar a palestra, sussurraram
no meu ouvido a piada de que o
Brasil só foi incluído na sigla
por que o termo Brics soa bem.
Desde então, a piada tem sido
repetida. O termo em si foi criado por mim no final de 2001
por causa de dois motivos. Uma
razão foi o 11 de Setembro.
A outra foi que, na ocasião, eu
acabava de assumir o departamento de economia do Goldman Sachs e escrevi um artigo
chamado "The world needs
better economic bricks" [em
português, algo como o mundo
precisa de melhores tijolos econômicos]. Para esse artigo, tentei escolher um grande e estratégico país de cada parte do
mundo. Na Europa, estava óbvio que esse país era a Rússia.
Na América Latina, era óbvio
que seria o Brasil, mas, na Ásia,
a escolha não era tão óbvia porque havia dois países. Por isso,
decidi escolher os dois [China e
Índia]. Foi assim que começou.
A partir de então, tentamos
visualizar como o mundo poderia mudar nas décadas vindouras. Alguns anos depois, escrevemos artigo em que tentamos
ver como seria o mundo em
2050. Foi nessa ocasião que a
história dos Brics ficou famosa.
FOLHA - Mas, de acordo com essas
projeções para 2050, China e Índia
vão dominar a cena econômica. O
Brasil e a Rússia merecem estar num
grupo com esses dois países?
O'NEILL - Acho, que dentro dos
Brics, China e Índia têm um nível próprio de crescimento potencial. As nossas análises mostram que, em 2040, a China poderá ser a maior economia do
mundo e a Índia seria a terceira
maior. A China, os EUA e a Índia serão muito maiores do que
todos os outros. Sob esse ângulo, está claro que o Brasil e a
Rússia não estão no mesmo nível que a Índia e que a China.
Mas, se olharmos o grupo de
países imediatamente próximos, Brasil e Rússia têm potencial de crescimento similar a
Japão e Alemanha e, em 2040,
as economias desses quatro devem ter o mesmo tamanho. Por
isso, acho que o Brasil e a Rússia merecem estar nesse grupo.
Outro ponto em favor do
Brasil é que há algo que os mais
céticos têm ignorado e é algo
que os outros três países do
grupo deveriam copiar: adotar
metas de inflação. Acho que
meta de inflação no Brasil tem
tido um desenvolvimento fantástico. Armínio Fraga [ex-presidente do Banco Central] merece muito crédito por isso. A
meta tem dado ao Brasil um
grau de estabilidade que o país
nunca teve. Isso dá uma condição enorme para que o Brasil
cresça vigorosamente. Se
olharmos o histórico, até os
anos 80, o Brasil e Argentina
eram os candidatos a se tornar
grandes economias. Foi a hiperinflação que impediu isso. Por
isso, acredito que a meta de inflação adotada pelo Brasil seja
algo na direção certa e que deveria ser feito também por outros países.
FOLHA - Apesar da estabilidade,
não há no Brasil nenhum sinal de
crescimento vigoroso. Por que o país
não consegue crescer como os seus
pares emergentes?
O'NEILL - O Brasil precisa fazer
uma combinação de ações. A
primeira é aumentar o desempenho da sua produtividade.
Atrair mais investimentos estrangeiros diretos e ter uma
economia mais aberta.
FOLHA - Muitos apontam que um
obstáculo importante para o crescimento do Brasil é o alto nível do juro, mas há o temor da volta da inflação com cortes mais rápidos. Há como o país escapar dessa armadilha?
O'NEILL - O Brasil está muito
perto de viver um declínio significativo da taxa de juros. A
credibilidade do sistema de
metas de inflação está crescendo. Isso vai permitir ao governo
do Brasil reduzir as taxas de juros e também vai reduzir a expectativa de inflação a longo
prazo. Com o bom funcionamento desse sistema, o Brasil
terá condições de sair dessa armadilha de alta dívida e altos
juros. Estou muito entusiasmado quanto a essa possibilidade.
FOLHA - Quanto o Brasil deve crescer nos próximos anos?
O'NEILL - Na nossa projeção, é
importante levar em conta que
o Brasil vai crescer 3,7%, em
média, pelos próximos 45 anos.
O país não precisa de crescimento miraculoso para se tornar grande. O que o Brasil precisa fazer é evitar crises. Entre
1980 e 2000, o Brasil viveu em
crise perpétua. Se o Brasil evitar crises e mantiver uma taxa
de crescimento próxima de 4%,
em 2050 será tão grande -ou
maior- que a Alemanha e estará no mesmo nível do Japão.
FOLHA - Uma característica do Brasil tem sido o crescimento "stop and
go". O sr. acredita que o país possa
crescer de modo continuado?
O'NEILL - Sim. É por isso que enfatizo que a política de metas de
inflação é tão importante. É
uma grande contribuição para
que o país interrompa esse ciclo de "stop and go". O Brasil
deve manter um crescimento
contínuo. Não deve se preocupar em crescer 5% ano ano.
Aliás, isso demandaria que a
produtividade crescesse muito.
FOLHA - Como fazer para aumentar a produtividade?
O'NEILL - Mercado de trabalho
flexível, empregados e empregadores trabalhando em arranjos de trabalhos mais criativos e
não tão rígidos. É importante
procurar novas oportunidades
de negócio e não ficar tentando
proteger setores não-competitivos. Esses são os ingredientes
simples. Deixe a China ficar
com a indústria têxtil.
FOLHA - Qual é o sonho dos Brics?
O'NEILL - Brasil crescer pelas
próximas quatro décadas a uma
taxa anual de 3,7%. Se fizer isso,
vai ser merecedor de estar no
Brics e maior que qualquer economia da Europa ocidental.
FOLHA - E qual o maior obstáculo,
do ponto de vista do Brasil, para o
fim desse sonho?
O'NEILL - Uma crise interna é o
maior risco. Impedir o Banco
Central de manter a meta de inflação é a pior coisa que poderia
acontecer.
Se vocês no Brasil fizerem o
que tem que ser feito, o resto
dos problemas do mundo não
terão tanta importância.
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