São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A pergunta de todos: por que o Brasil não cresce?

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Em recente conversa com o economista-chefe da matriz de um dos maiores bancos internacionais que operam no país, meu irmão Beto foi logo surpreendido por sua primeira pergunta: "José Roberto, por que o Brasil não cresce?". Para um profissional na sua posição, essa dúvida é um sinal extraordinário de perplexidade. Para chegar ao topo da hierarquia de uma instituição financeira de grande porte, alguns valores são absolutamente necessários. O mais importante é uma fé sem qualificações no funcionamento racional das economias de mercado, quando se tem uma gestão macroeconômica que siga os ensinamentos da ortodoxia econômica. Como, então, explicar o crescimento pífio de nossa economia ao longo de oito anos em que seguimos, sem vacilo ou dúvidas, a receita do bolo do chamado Consenso de Washington? A perplexidade sincera de seu interlocutor chocou meu irmão!
É evidente que alguns radicais, aqui e no exterior, não expressam essa mesma decepção, à medida que acham que o governo FHC foi frouxo na gestão da questão fiscal. Não resolveu o déficit da Previdência, aumentou expressivamente os gastos com o funcionalismo público e multiplicou várias vezes o orçamento das áreas sociais. Por isso não cresceu. Tivesse o governo despedido milhares de funcionários públicos e cortado os miseráveis benefícios de vários milhões de aposentados, o cenário teria sido outro.
Outros participantes do debate de hoje sobre esse tema, principalmente no campo político da oposição ao governo FHC, atribuem esse crescimento pífio às contradições do modelo econômico catalogado, sem nenhuma profundidade, de neoliberal. Se para os primeiros o excesso de credo é o problema, para os segundos o que temos é uma total falta de profundidade analítica na compreensão do funcionamento das economias modernas. Em ambos os casos, peço autorização dos leitores desta coluna para ter direito ao desprezo e não considerar suas ressalvas.
Mas, para os profissionais sérios, como o interlocutor de meu irmão e todos aqueles que neste momento eleitoral querem olhar para a frente, é necessário encontrar uma resposta a essa questão. Dela depende o futuro de nosso país -inclusive o de Isabela, minha neta que nasceu no último fim de semana. Por isso, vou tentar encontrá-la, e peço ajuda aos deuses para encontrar o dom da clarividência e da síntese.
Uma primeira resposta poderia ser um questionamento direto dessa causalidade entre gestão macroeconômica ortodoxa e crescimento, quando aplicados a economias emergentes como a brasileira. A razão dessa diferença reside na observação de que a eficiência dos mercados nesses países é muito menor do que a que prevalece nas economias avançadas. O mercado de trabalho, o sistema tributário, a infra-estrutura econômica e, principalmente, o mercado financeiro e de capitais no Brasil não funcionam com a mesma racionalidade que a teoria econômica considera em seus modelos mais atuais. Essa diferença faz com que os mecanismos de correção automática de distorções conjunturais, que são elementos fundamentais na eficiência das economias de mercado, sejam muito frágeis ou não existam nos casos como o brasileiro.
Poderia também, buscando ser mais específico e menos teórico, dizer que a causa principal dessa falta de crescimento está na chamada vulnerabilidade externa do Brasil. A necessidade de rolar nossa dívida externa exige um esforço anual de captação de recursos de mais de US$ 30 bilhões, além de outros US$ 25 bilhões para financiar nosso déficit de conta corrente, que aparece quando crescemos cerca de 3% ao ano. Isso é muito dinheiro, mesmo em momentos de euforia da economia mundial.
Como vivemos em um mundo globalizado, a probabilidade a cada momento de que um ou mais países emergentes estejam em crise é muito grande. Portanto estaremos sempre sob a ameaça de algum mau humor do mercado internacional de capitais, que acaba por se transformar em volatilidade nos mercados de câmbio e juros. Ora, essa sensação de risco constante acaba obrigando o país a conviver com taxas de juros elevadas e insegurança em relação à taxa de câmbio, que criam o cenário que eu chamo de "vôo da galinha". Cresce e pára, cresce e pára... A história dos últimos anos é uma prova disso.
Mas a explicação que mais me agrada é outra. Mais do que uma resposta objetiva à questão do crescimento, ela coloca em discussão uma proposta para nos orientar neste momento em que indagamos sobre o que nos espera a partir de 2003. A retomada do crescimento exigirá do próximo governo um esforço muito grande para encontrar um equilíbrio entre o que nos ensina a teoria econômica e as adaptações necessárias para lidar com um espaço econômico ainda cheio de imperfeições. Conhecimento teórico sem chegar à ortodoxia burra e entendimento detalhado do funcionamento de nossos mercados principais, com uma capacidade de reformar o que está errado, serão capacidades que o próximo presidente da República vai precisar mostrar. Foi esse equilíbrio perdido, em seu segundo mandato, a principal causa para o fracasso de FHC quando olhamos para o crescimento econômico.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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