São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

Os 50 anos de uma referência

O cinquentenário da Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais), os 40 anos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e, agora, o cinquentenário do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) comprovam o que esta coluna vem martelando há tempos: não houve mais brilhante geração de brasileiros do que a do pós-guerra. Dentre todas essas instituições, nenhuma contribuiu tanto para o desenvolvimento nacional como o BNDES, cujo cinquentenário foi completado ontem.
Inicialmente, foi criado para desburocratizar e despolitizar as contrapartidas financeiras aos planos de ajuda econômica do governo norte-americano, no início dos anos 50.
Foi fincado em bases sólidas, com a noção de planejamento trazida pelos pioneiros da Cemig, Lucas Lopes à frente, e a noção de futuro de Roberto Campos. Acompanhou e se adaptou a todas as novas etapas da economia nacional. Nos anos 50 ajudou a financiar a infra-estrutura nacional, base para a industrialização posterior. Nos anos 60, a prover capital de longo prazo para as empresas privadas. Nos anos 70, a substituir as importações, ajudando a criar as primeiras grandes empresas nacionais.
Nos anos 80 enredou-se na perda de rumo da (não) política industrial da época. Mas foi nesse período soturno, de escassez de idéias, dominado por panelinhas acadêmicas que impediam o avanço de qualquer nova forma de pensamento -que não a da polarização moratória versus recessão, para resolver a crise do balanço de pagamentos-, que o BNDES trouxe sua maior contribuição à saída do impasse, com a Teoria da Integração Competitiva, formulada pelo economista Júlio Mourão.
Em 1984, a partir dos estudos encomendados por seu chefe Mourão, o então jovem economista Luiz Paulo Vellozo Lucas (hoje prefeito de Vitória) constatou que havia terminado a fase dos déficits comerciais. Naquele ano, previu-se um superávit expressivo, sinal de que o ciclo de substituição de importações chegara ao fim.
A partir dessa constatação, Mourão elaborou sua teoria defendendo que a etapa seguinte deveria ser de gradativa liberalização comercial, não como fim em si, mas como estratégia para permitir às empresas brasileiras adquirir experiência, competitividade, montar acordos tecnológicos, joint ventures e se lançar à globalização.
A idéia ficou na geladeira durante o governo Sarney. Panelinhas acadêmicas dominavam os partidos políticos e o processo de formação de opinião na mídia, e apelavam para a desclassificação pura e simples das teorias desenvolvidas no âmbito do BNDES.
As teses foram adotadas no governo Collor, no mais consistente plano de política industrial da época, o da abertura e da redução tarifária gradativa, ao mesmo tempo em que as idéias da qualidade total eram disseminadas pelo país, por meio do PBQP (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade), para as grandes empresas, e do Sebrae, para as pequenas. Tudo isso apesar de o banco ter sido submetido a uma mediocrização ampla, com todas suas energias sendo utilizadas exclusivamente para elaborar as primeiras privatizações do período.
O programa sobreviveu às loucuras de Collor e de Itamar, mas acabou atropelado pela estupidez da política cambial do Real. Mas as idéias ficaram.
Nos últimos anos o BNDES aprendeu a ser o grande organizador de operações internacionais do país. O próximo passo, segundo o ministro do Desenvolvimento, Sergio Amaral, será o banco garantir a expansão internacional dos grandes grupos brasileiros e definir políticas mais objetivas de fortalecer as pequenas empresas nacionais.
Nessa empreitada, dos pioneiros à nova guarda, figura referencial é a de Ignácio Rangel -o mestre de Júlio Mourão, Sérgio Besserman e todos os modernos formuladores industriais do BNDES-, o grande pensador do desenvolvimento, o homem de pensamento abrangente, sem viés ideológico, legítimo herdeiro da geração do pós-guerra, dotado da visão de futuro e da importância da institucionalização de políticas públicas, o pensador que entendeu o mecanismo de acumulação do processo inflacionário, o nacionalista que primeiro defendeu a necessidade de privatização dos serviços públicos.
Está saindo o livro dos 50 anos do BNDES. Inúmeras figuras de relevo serão lembradas. Na condição de brasileiro, fica aqui meu preito de gratidão aos pioneiros. Mas, especialmente, a Rangel e Mourão.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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