São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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ROBERTO RODRIGUES

Festa junina


Quem não viveu uma autêntica festa junina perdeu um pedaço da pureza da alma do povo brasileiro

NESTE MÊS acontecem as tradicionais festas juninas por todo o vasto interiorzão brasileiro. Em torno de uma fogueira acesa em uma pilha de grossos troncos de árvores secas, recolhidos das beiras das matas, as famílias se juntam para celebrar são Pedro, são João e santo Antonio. E após a procissão, que é o começo de tudo, erguem os mastros com as efígies dos santos homenageados, aos quais oram pedindo por safras mais fartas.
Mas além do forte fundo religioso, divertem-se a valer: com o pau de sebo, fino tronco ensebado que as crianças lutam para escalar em busca de um envelope com uma nota de R$ 10 na ponta; com a caça ao leitão todo untado com óleo queimado, impossível de agarrar; com o quentão, a pipoca, o milho e a batata-doce assados na brasa, o algodão-doce, as broas, as pamonhas e o curau; e sobretudo com a sanfona que toca sem parar, preparando o povo para o clímax da festa, que é a dança da quadrilha, para comemorar o casamento na roça, com noivinha tímida já barrigudinha, noivo assustado com o sogrão zangado e o padre embasbacado.
A quadrilha tem origem francesa, veio para o Brasil durante a Regência e ganhou o interior, usando as expressões abrasileiradas do "balancê", "changê" de damas, "anarriê" ("en arriére", para trás). Com um ritmo bem marcado e melodia que não muda, os pares vão evoluindo, formando o carrossel, a grande roda, a coroa de rosas, e terminando com a saudação geral. Quem não viveu uma autêntica festa junina perdeu um pedaço da pureza da alma do povo brasileiro.
E não viveu as emoções do correio elegante, coração disparando com as primeiras mensagens da suposta paixão definitiva: a rapaziada se exibindo nos torneios e as meninas, enfeitadas com seus vestidinhos de chita, fofocando em rodinhas, na evolução dos romances que nasciam e cresciam, ao som das bombinhas, dos rojões, de gente fugindo dos busca-pés, pulando a fogueira no final da noite, e, é claro, beijos roubados antes da alvorada.
Beleza pura!
Hoje isso está um pouco estilizado, a tradição se cultiva em festas armadas na cidade grande, longe das raízes, perdidas no tempo, a começar pelos convites escritos num dialeto que já nem se fala mais.
O caipira já não existe, não daquele jeito. O Jeca Tatu já era. O caboclinho reservado de outrora foi substituído por um empresário rural moderno, ligado no computador para saber o que acontece na BM&F ou nas Bolsas de Chicago e de Tóquio. Usa a tecnologia tropical mais moderna do planeta para manter competitivo o agronegócio brasileiro, ganhando mercados e criando empregos e renda em todos os setores da economia; está preocupado com os altos custos de produção e a falta de recursos para o crédito rural neste ano em que temos uma chance rara de crescer num mercado mundial carente de alimentos.
Esse produtor rural moderno e eficiente, construtor da riqueza interior do Brasil, todavia, ainda tem seu bucolismo, e sua alma segue generosa e aberta. Ainda sonha com seu país melhor e vida digna para todos, especialmente para os trabalhadores que labutam no campo, de sol a sol. E ainda se emociona com os cânticos da procissão de são Pedro, e, com a família arrumada, leva as filhas, os netos, todo mundo, para se divertir com a vizinhança, embalados todos pela sanfona que toca noite adentro, varando as frias noites de junho na esperança de um verão pródigo.


ROBERTO RODRIGUES , 65, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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